Texto produzido como parte das atividades do estágio docente vinculado ao curso de Doutorado em Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) — 10/06/2025.
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Resumo
Este trabalho reúne reflexões iniciais de uma pesquisa de doutorado em
andamento, dedicada a investigar as relações entre indivíduo e coletividade na
China moderna, com ênfase na produção cinematográfica da primeira metade do
século XX. A partir da análise de filmes como arquivos simbólicos, propõe-se
uma leitura antropológica das articulações entre categorias como “Estado”,
“tradição”, “modernidade” e “etnicidade” — não como dados fixos, mas como
campos de disputa. Sem pretensão de esgotar o tema, o texto busca levantar
questões sobre os sentidos coletivos em disputa naquele contexto histórico, propondo
reflexões sobre de que modo essas disputas ainda ressoam em formas
contemporâneas de imaginar a coletividade na China.
Introdução
Escrever um texto que tem por
pretensão expor elementos de uma pesquisa de doutorado, mantendo-se ainda em um
tamanho razoável, não é tarefa simples. Quando essa pesquisa é sobre a China —
e mais ainda, sobre um período histórico repleto de acontecimentos —, o desafio
se intensifica. Falar sobre a China não é algo incomum hoje. Com os BRICS cada
vez mais ativos na dinâmica global, e com a China ocupando um papel central
entre os países que se projetam em oposição às hegemonias tradicionais, tudo
que envolve o país desperta interesse. Multiplicam-se análises, interpretações
e tentativas de explicação — algumas cuidadosas, outras precipitadas. Dentro
desse mar de certezas, não posso ignorar o risco de que este trabalho se torne
mais uma produção externa que pretende falar sobre a China. Assumo esse risco —
mas com ressalvas. Embora eu fale sobre a China, falo a partir de uma China que
me atravessou.
Minha relação com a China começou
na adolescência, por volta dos quinze anos, com os primeiros estudos sobre o
taoismo, guiados por uma professora que fora aluna do mestre Liu Pai Lin.
Aquele modo de ver o mundo me marcou profundamente. E aquele país distante —
distante dos imaginários populares da década de 1990, muitas vezes filtrados
por estereótipos — passou a fazer parte da minha vida cotidiana de maneira
concreta. Ao longo dos anos, seguiram-se outros encontros, como as aulas com o
mestre Li, no Rio de Janeiro, com quem convivi semanalmente durante anos, e a
construção de laços com inúmeros amigos chineses, fruto de trocas informais
enquanto eu estudava mandarim e oferecia ajuda a estudantes chineses que
aprendiam português. A China se tornou, antes mesmo da antropologia, parte do
meu cotidiano.
A ideia de viajar pelo país foi
amadurecendo conforme essas relações se aprofundavam. Quando, anos depois,
ingressei na antropologia com um interesse particular pelos estudos étnicos,
esse caminho acabou se fortalecendo de forma quase orgânica. O que até então
era parte das camadas mais íntimas da minha trajetória começou a se articular
com o que eu vinha estudando em Ciências Sociais desde 2015. Foi nesse encontro
entre o pessoal e o acadêmico que o interesse pelas relações étnicas na China
emergiu, dando forma ao que viria a ser, mais tarde, o projeto de doutorado.
O projeto de pesquisa do
doutorado, portanto, surge em 2021, inicialmente voltado para os estudos
étnicos no Brasil, e foi reformulado em 2022 para pensar a China como um Estado
que se organiza a partir de uma configuração étnica institucionalizada. Embora
essa mudança pareça simples, ela trouxe uma diferença fundamental: enquanto no
Brasil a noção de etnia se apoia na oposição entre grupos étnicos e não
étnicos, na China, o pertencimento étnico constitui um dado comum,
institucionalmente reconhecido. Essa distinção — entre etnia como exceção e
etnia como condição de existência — me levou a reconsiderar os próprios usos da
categoria.
As perguntas que despontaram não
foram apenas sobre quem são os povos considerados “étnicos”, mas por que há,
dentro de uma mesma lógica estatal, grupos classificados como étnicos e outros
não. Esses questionamentos, que já envolvem tensões raciais em si, só ganharam
nitidez a partir da observação das relações étnicas na China. Nesse contexto,
embora exista um grupo étnico majoritário, percebi que pertencer a um grupo
reconhecido como “minoritário” não implica as mesmas condições de
marginalização que no Brasil. Pensar as relações étnicas na China exigia,
portanto, não apenas compreender quando e como essa categoria é acionada, mas
também investigar o que ela mobiliza enquanto ideia de identidade — e como essa
identidade se articula com outros marcadores de diferença.
Tão logo comecei a interagir com
chineses online — prática que se intensificou a partir de 2020 e ganhou
contornos antropológicos em 2022 —, tornou-se evidente que pensar apenas em
termos de diferença étnica seria insuficiente para captar a complexidade das
identidades em jogo. A experiência diária de acompanhar, por pelo menos três
horas, transmissões ao vivo conduzidas por chineses — ora conversando, ora
apenas observando as interações — revelou uma variedade de marcadores de
diferença acionados de forma constante e situada. Diferenças regionais entre
Norte e Sul, contrastes entre áreas urbanas e rurais, especificidades de
regiões autônomas, distinções de gênero e, sobretudo, uma diversidade
linguística viva e profundamente articulada com o mandarim oficial, compunham
um quadro múltiplo de pertencimentos.
Embora tais elementos possam ser
observados em outros contextos socioantropológicos, o que me chamou atenção foi
a forma ativa e explícita com que são mobilizados na China — não apenas para
demarcar diferenças internas, mas, sobretudo, para sustentar um sentimento de
unidade. A identidade coletiva chinesa não se constrói em oposição à
diversidade interna: ao contrário, é comum observar que marcadores locais —
como província, região, língua ou pertencimento étnico — são acionados com
orgulho e funcionam como expressões legítimas de identidade. Ainda assim, esses
marcadores raramente operam em tensão com a identidade nacional; em muitos
casos, são articulados como extensões ou variações dela, o que reforça a
centralidade de um pertencimento coletivo.
Essa mobilização era
especialmente visível nas interações com estrangeiros. Era recorrente ver
interlocutores chineses falarem de si em termos nacionais — “nós, chineses” — e
descreverem o país como se expressassem interesses próprios. Não se trata, portanto,
de um dado natural, mas de uma articulação relacional constantemente
atualizada, em que diversidade e unidade operam juntas sem entrarem em
contradição explícita. Esse ponto contrasta, por exemplo, com o que se observa
em outros contextos — como o brasileiro — onde o acionamento de uma identidade
nacional por vezes é percebido como contraditório em relação a pertencimentos
regionais, étnicos ou locais. Mais do que traçar comparações diretas, trata-se
aqui de reconhecer que as formas de articulação entre coletivo e diferença
variam historicamente e que, no caso chinês, essa coexistência tensionada entre
unidade e pluralidade se expressa com uma nitidez particular. Essa coexistência
de marcadores identitários — ao mesmo tempo distintos e integrados — não é um
dado menor; ela reaparece, de forma sutil e atravessada por contextos
históricos, nas imagens e narrativas que compõem os filmes do período que serão
discutidos mais adiante.
Ao observar as leituras mais
recorrentes sobre a China no debate público contemporâneo, é possível notar a
centralidade que o pensamento marxista costuma ocupar como chave interpretativa
predominante. A tensão entre capitalismo e socialismo, entre visões liberais
centradas no indivíduo e concepções coletivas de organização social, muitas
vezes se converte, nas análises, em uma chave única de leitura centrada na
ideologia do Estado chinês. Como se a sociedade chinesa, enquanto tal, tivesse
começado em 1949. É evidente, porém, que esse momento histórico teve um papel
fundamental na reconfiguração institucional das categorias identitárias e na
consolidação de uma lógica coletiva articulada pelo Estado moderno. Essa
organização, no entanto, não surgiu espontaneamente: ao longo da história
chinesa, inclusive sob formas imperiais de governo, já havia legislações e
dispositivos voltados ao reconhecimento e à regulação das diferenças étnicas. O
que se propõe aqui, portanto, não é negar a importância de 1949, mas observar
que os sentidos compartilhados que sustentaram essa reorganização já vinham
sendo moldados nas décadas — e mesmo nos séculos — anteriores. Ignorar esse
percurso histórico fragiliza a compreensão do presente e impede uma análise
mais densa da continuidade (e das rupturas) que marcam o campo das identidades
na China.
Essa constatação não se trata de
uma crítica ao marxismo como teoria, tampouco de uma recusa de sua leitura do
mundo, mas de um alerta contra o risco de uma sobreposição explicativa. Para
nos aproximarmos da China em termos antropológicos — e, em especial, para
refletir sobre as formas pelas quais as identidades se articulam —, é preciso
reconhecer que nenhum país, ainda mais um com a complexidade e o tamanho da
China, pode ser compreendido apenas pela ótica de um modelo teórico, por mais
influente que seja. Ainda que o marxismo tenha um peso significativo no sistema
educacional contemporâneo e na formação política chinesa, não é possível
concluir que os modos como as identidades se estruturam hoje derivam
exclusivamente da Revolução de 1949.
Trata-se de um debate amplo, por
vezes atravessado por paixões políticas, sobre o quanto o socialismo chinês é
produto de uma pedagogia institucional ou, ao contrário, expressão de elementos
coletivos já presentes na sociedade antes da institucionalização do regime. No
contexto da minha pesquisa, percebi que uma abordagem focada apenas em
elementos contemporâneos tenderia a ter suas conclusões absorvidas pela
presença atual do sistema socialista, o que acabaria por limitar a
possibilidade de deslocamento analítico. O próprio fato de o regime estar
objetivamente presente nas políticas públicas e na organização do Estado cria
uma camada de leitura que tende a influenciar não apenas o campo empírico, mas
também as interpretações subsequentes.
O socialismo chinês, como toda
teoria social, não deve ser tratado como algo dado ou natural. Assim como o
capitalismo — que frequentemente se disfarça de “natureza humana” ao justificar
seu individualismo —, o socialismo na China também é fruto de processos
históricos, simbólicos e relacionais, articulados tanto interna quanto
externamente. Ele se enraíza em um terreno simbólico complexo, já em disputa
antes de 1949, e se desenvolve em diálogo com formas locais de organização e
significados compartilhados. A sociedade chinesa não começou com Marx. Muito
antes disso, escolhas coletivas, disputas simbólicas e imaginários sociais já
desenhavam horizontes possíveis. Quais foram os elementos pré-existentes que
permitiram à China adotar, com tamanha força, um modelo que fugia à lógica
dominante do Ocidente no século XIX? Essa é a pergunta que me move.
A questão toda é que, diante da
tendência à naturalização de certos comportamentos sociais presente em parte
das leituras estrangeiras sobre a China — especialmente aquelas inspiradas por
abordagens marxistas não contextualizadas ou por perspectivas pouco atentas ao
repertório antropológico local —, pensar as relações étnicas na China dentro de
um campo mais amplo de relações identitárias, chegando até mesmo à reflexão
sobre concepções de indivíduo e coletivo, exigiu que eu escolhesse um campo de
estudo que trouxesse elementos anteriores a 1949. Isso porque tudo o que ocorre
após esse ano pode facilmente ser absorvido por interpretações que atribuem
exclusivamente ao regime socialista a forma como os chineses concebem suas
identidades em relação.
Porém, mesmo reconhecendo a
necessidade de abordar períodos anteriores à fundação da República Popular da
China, a questão que se impunha era: como acessar esse universo de sentidos
compartilhados sem que ele se perdesse numa simples cronologia de eventos
históricos? Onde, além dos registros oficiais, estariam as pistas das
subjetividades daquele tempo?
Meu dilema, no entanto, não durou
muito. Durante o mestrado, ao pesquisar os Guarani Mbya em São Paulo e Angra
dos Reis, deparei-me com um elemento que, até então, eu não havia previsto como
tão central: a imagem. O campo me mostrou como um mestre xondaro expressava com
orgulho a circulação de vídeos em redes sociais que retratavam os xondaro em
performance, especialmente em momentos de disputa. Aqueles registros visuais
não eram apenas individuais; eram acionamentos coletivos. Eram imagens que
extrapolavam o entretenimento: carregavam uma função política, atuando
diretamente sobre o imaginário de quem as assistia. Eram instrumentos de força
simbólica, capazes de interferir na relação agonística entre atores sociais[1].
Essa constatação, feita em outro
contexto, me levou a olhar para a China em um momento igualmente marcado por
conflitos: o início do século XX. Ali, encontrei no cinema chinês da época um
arquivo valioso, onde o mesmo tipo de agenciamento simbólico parecia se
desenhar — em escala muito maior, mas com intenções semelhantes. Ainda que
inicialmente influenciado por lógicas capitalistas e pela estética do
entretenimento ocidental, o cinema chinês desse período não demorou a se
transformar em espaço de resistência: tanto frente às invasões estrangeiras,
quanto como arena de disputas sobre os caminhos para a construção de um projeto
de país moderno — à sua maneira, nos seus próprios termos.
O delineamento da pesquisa de
doutorado, portanto, foi tomando forma a partir de múltiplos vetores: minhas
relações com chineses ao longo dos anos — que, mais tarde, ganharam contornos
antropológicos —; a força de discursos que tratam a China quase como uma
invenção de Marx; e, por fim, a influência da pesquisa de mestrado, que me
apresentou a imagem como vetor de agência coletiva. Estudar o cinema chinês do
início do século XX tornou-se, então, uma oportunidade valiosa para acessar
modos de relação social anteriores a 1949. Ainda que meu foco não seja uma
análise histórica, investigar como as identidades se articulavam naquele
período me permite observar o presente com outros olhos — compreendendo, de um
lado, os caminhos que levaram à adoção do regime socialista; e, de outro,
certos aspectos sutis do comportamento coletivo que, apesar de sua
complexidade, se tornaram normatizados a ponto de sustentar alguma
generalização. Surge, assim, mais uma pergunta orientadora: em que grau de
normalidade as identidades e os sentidos sobre individualidade e coletividade
já estavam presentes naquele momento, a ponto de ainda serem reconhecíveis
hoje?
É claro que não proponho uma
leitura homogênea do comportamento chinês, tampouco pretendo me somar à legião
de “explicadores” da China que proliferam nas redes sociais. Como disse
anteriormente, fui atravessado por esse país desde a adolescência, ainda que
sob formas imaginadas — e minha leitura da China nasce, portanto, desse
envolvimento específico. Sem me aprofundar em questões envolvendo o viés do
pesquisador em pesquisas antropológicas, meu compromisso com a exposição do meu
contexto, portanto, parte de um lugar onde a exposição da própria história
corresponde me comprometer com a própria coerência que a pesquisa necessita.
Nesse sentido, o antropólogo deixa de ser um narrador do outro e passa a ser um
objeto de pesquisa onde o seu histórico também deve ser avaliado quase como
mais uma variável de estudo. É a partir desse atravessamento que busco elaborar
o que posso perceber da China — uma lógica possível, construída a partir do
modo como fui afetado.
Dito isso, a pesquisa ganhou ares
concretos à medida que os caminhos foram sendo abertos e os recortes
aconteceram quase por imposição das próprias condições. As perguntas que me
orientavam estavam latentes. Meu interesse não era apenas as relações étnicas,
principalmente porque na China tais relações, para além dos seus
tensionamentos, estão imbrincadas com outras identidades que se articulam em
sentidos compartilhados sobre o coletivo em que estão inseridas. O cinema da
primeira década do século XX, em outra chave, surge como objeto documental de
análise para compreender como que tais categorias eram articuladas naquela
época, como se davam as relações identitárias e os sentidos de coletivo em
disputa, não apenas em termos discursivos, acionados objetivamente pelos atores
— em cena ou não —, mas também os elementos subjetivos, os afetos acionados nos
filmes, as relações entre os personagens e as narrativas construídas em prol de
dilemas concretos vivenciados naquele período. Por fim, como elemento agregador
de conhecimento in loco, somo as experiencias uma vivência na China
passando por cidades como Shanghai, Hangzhou, Suzhou, Changzhou e Shiyan.
Refletir sobre uma experiência in
loco exige, antes de tudo, alguns esclarecimentos metodológicos. Os debates
sobre a duração da permanência em campo e sobre a centralidade do território
como marca da etnografia não são novos, mas continuam a aparecer — muitas vezes
associados a uma ideia clássica de “campo legítimo”. Tempo e espaço continuam
sendo elementos importantes, mas dificilmente são, hoje, critérios
determinantes para a validade de um trabalho antropológico. Mais relevante do
que a duração ou a localização geográfica é o tipo de vínculo estabelecido com
os contextos estudados e a forma como esses vínculos são elaborados na
pesquisa. Nesse sentido, não proponho aqui uma definição do que seria ou não um
“trabalho de campo”, mas compartilho a lógica que orientou a incorporação das
experiências que vivi — tanto nos espaços presenciais quanto nos digitais —
como parte do processo de construção do objeto. Essas experiências, somadas à
análise dos filmes, constituem o corpo da pesquisa e dialogam com uma perspectiva
de etnografia que se dá em movimento, nas margens porosas entre presença e
circulação, observação e participação.
Em vez de pensar o campo como
algo físico e claramente delimitado, como ainda aparece em algumas defesas
atuais, proponho partir da ideia de que a vivência etnográfica hoje não pode
mais ser entendida em termos estáticos. Como aponta George Marcus
Além disso, a dimensão virtual
passou a ser parte estrutural da vida cotidiana, tornando impossível separar
com nitidez o que é on-line e o que é off-line. Os afetos que circulam nas
redes, os discursos institucionais digitalizados, os conflitos e alianças
formados no plano digital impactam diretamente o mundo presencial. E
vice-versa. Mesmo que alguns contextos ainda permitam certa desconexão, a
maioria dos temas investigados hoje pressupõe a convivência entre essas
camadas. Como lembra Marcus
Diante disso, a proposta de uma
etnografia multissituada surge para o autor como resposta metodológica potente.
Ela desloca o foco da fixação espacial para o rastreamento de conexões entre
lugares, sujeitos, símbolos e narrativas. Seu objetivo não é mapear tudo, mas
encontrar sentidos em movimento — articulando escalas distintas sem se prender
a nenhuma delas
Nos termos desta pesquisa,
portanto, o deslocamento metodológico se materializou de formas específicas: no
acompanhamento on-line de streamers chineses ao longo de três anos,
somado a uma imersão de trinta dias. Essa composição, articulando fluxos
digitais, deslocamentos territoriais e experiências situadas, envolveu o que
George Marcus
A experiência presencial na China
não começou com o deslocamento físico. Ela foi precedida por um processo
relacional cultivado no espaço digital ao longo de anos, o que tornou possível
estabelecer conexões locais mais orgânicas e uma interlocução situada.
Inclusive, no contexto das relações sociais com chineses — que raramente se
constroem de forma imediata — esse engajamento prévio foi decisivo. Seria
inviável estabelecer laços de confiança ou trocas significativas durante um
curto período presencial sem essa experiência digital anterior.
Este trabalho não busca resolver
todos os aspectos do estudo, mas apresentar alguns dos elementos que considero
centrais no processo de formulação das análises. Na seção seguinte, Por que
estudar a China hoje?, exploro por que é necessário pensar o país não
apenas sob uma ótica geopolítica, mas sobretudo antropológica — sem, contudo,
recair em particularismos que ignoram os debates mais amplos. Em seguida, na
seção Cinema: quem controla a imagem, controla o possível?, passo a uma
síntese das análises fílmicas, situando os filmes em seus respectivos contextos
históricos e esboçando uma leitura de como esses materiais expressam disputas
sobre a formação de coletivos, identidades e horizontes éticos.
A pergunta que atravessa esse
caminho não é apenas o que o cinema representava, mas que tipo de sujeito ele
tornava visível — e sob quais condições. A resposta aqui, como espero deixar
claro, não é conclusiva — e talvez nem devesse ser. Mas os deslocamentos, tanto
físicos quanto simbólicos, que compõem esta pesquisa, talvez permitam perceber
como, em determinados contextos históricos, o “nós” não é uma categoria dada.
Ele é construído, disputado e performado em imagens, narrativas e relações.
Por que estudar a China hoje?
Quando se fala sobre a China
hoje, especialmente a partir do Brasil, o tema parece ter sido capturado por
uma estética de redes sociais. Tornou-se objeto de fascínio para
influenciadores impactados por inovações tecnológicas, megacidades reluzentes e
paisagens exuberantes — inspirados pelo soft power[2]
chinês. A China virou uma espécie de commodity discursiva nas redes
sociais. De viajantes a “especialistas” de TikTok, passando por analistas
geopolíticos, professores e comentaristas diversos, há uma profusão de vozes
dispostas a dizer — com precisão muitas vezes autodeclarada — o que é a China.
Descrevem comportamentos, interpretam instituições, explicam dinâmicas como se
encarnassem os primeiros antropólogos europeus voltando à “civilização” com as “verdades”
coletadas nas colônias. Em espaços acadêmicos distantes do universo chinês, o
imaginário sobre a China frequentemente oscila entre curiosidade genuína, exotismo
e desconfiança. Persistem imagens herdadas de um “Oriente” irredutivelmente
outro[3],
formuladas ao longo do século XX por meio de lentes ocidentalizadas. Quando há
interesse, ele muitas vezes surge mediado por esse enquadramento: a China como
exceção, como curiosidade analítica. A pergunta não dita — mas presente — tende
a ser: por que estudar a China? O que isso tem a ver conosco? Com tantos
desafios internos, por que olhar para um país geograficamente distante?
A própria noção de distância, no
entanto, exige revisão. Em contextos marcados pela circulação digital e pela
interdependência econômica, essa ideia torna-se menos descritiva do mundo e
mais reveladora de uma experiência social encapsulada. Ainda que nossas
comunicações dependam de servidores estadunidenses e nossos aparelhos sejam
produzidos na China, seguimos operando como se o “fora” estivesse suspenso.
Essa dissociação é tudo menos espontânea: reflete uma lógica geopolítica
consolidada que ainda organiza proximidades e distanciamentos. Países como
Estados Unidos, França ou Itália nos parecem familiares; outros — como China,
Índia ou Irã — soam estranhos, quando não ameaçadores. No caso chinês, esse
distanciamento se combina a uma admiração difusa pela inovação tecnológica,
somada a um desconforto nem sempre explicitado diante da organização social
conduzida por um partido comunista. O resultado é um campo imagético
ambivalente: entre o fascínio e a rejeição, entre a curiosidade e o incômodo.
Esse arranjo, contudo, começa a
se deslocar. A emergência dos BRICS e a ampliação de uma agenda multipolar têm
desafiado a lógica unipolar de poder estruturada no pós-Segunda Guerra. A
ascensão de atores como China, Índia, África do Sul e Brasil, ainda que marcada
por assimetrias, amplia as possibilidades de visibilidade e interlocução em
nível global: pelas redes, pelos noticiários, pelas práticas ordinárias de
sociabilidade. Um indicativo recente dessa virada é o relatório Democracy
Perception Index 2025
Do ponto de vista antropológico,
as relações entre o plano geopolítico e a vida ordinária não podem ser
reduzidas a abstrações. Decisões internas de governo, desde alianças econômicas
até posicionamentos em fóruns multilaterais, são atravessadas por disputas mais
amplas, e o inverso também ocorre. A figura do governante, seu partido e as
redes simbólicas com as quais se alinha, se tornam vetores dessas trocas. Isso
se reflete, por exemplo, na política ambiental: a depender das pressões
internacionais e dos acordos firmados, decisões locais sobre preservação ou
exploração territorial podem se alterar, com impactos diretos sobre empresas,
trabalhadores e populações indígenas[5].
Não é incomum que lideranças indígenas brasileiras participem de conferências
internacionais, como a Conferência das Partes (COP)[6],
para reivindicar visibilidade e defesa de direitos frente a essas decisões[7].
A dimensão cotidiana da política
internacional também se expressa fora das instituições. Por meio das redes
sociais, disputas antes circunscritas ao plano técnico ou diplomático tornam-se
conteúdo viralizado. Ainda que os noticiários tradicionais sigam com seu tom
burocrático, plataformas como TikTok, YouTube e X (antigo Twitter)
transformaram o engajamento político em experiência intermitente, repleta de
sobreposições entre informação, opinião e entretenimento. Entre memes, vídeos
de opinião e comentários virais, múltiplos modos de se apropriar (e distorcer)
debates internacionais coexistem. A geopolítica, nesse ambiente, deixa de ser
monopólio de especialistas e o objetivo de estudo, lembrando Marcus, precisa
ser observado por uma etnografia de conexões, em que a narrativa é construída
entre escalas micro e macro, sem se fixar em nenhuma delas
É por esses caminhos nem sempre
visíveis que as dinâmicas globais atravessam o cotidiano. Elas tensionam as certezas,
reconfiguram nossas percepções e esbarram em debates que, até pouco tempo,
pareciam restritos a especialistas. Mesmo que os algoritmos reforcem bolhas
digitais, a experiência cotidiana mostra que tais barreiras podem ser rompidas.
O simples fato de o bloco dos BRICS existir, atuando como um contraponto à
ordem normativa global, já representa uma disrupção simbólica. A criação de
instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento e a proposta de uma moeda
comum, representam esforços para reduzir a dependência de estruturas
financeiras ocidentais
O incômodo não se deve apenas à
sua inserção estratégica nos BRICS, mas também à sua trajetória histórica
singular. Estamos falando de um Estado que passou por guerras civis, revoluções
e reorganizações dinásticas, e que, no século XX, se consolidou como república
socialista governada por um partido comunista[8].
Desde então, tem mantido certos princípios de organização política e social que
divergem da matriz liberal ocidental, o que a torna objeto recorrente de
curiosidade e controvérsia. Não por ser “modelo”, mas por persistir como
exceção que resiste à assimilação total.
Mas talvez o que mais interesse,
do ponto de vista antropológico, não esteja nos macro indicadores ou nas
estruturas estatais. Está nas formas ordinárias da vida em trânsito: nas
práticas cotidianas compartilhadas, nos valores que orientam relações e vão
sendo ressignificados ou mantidos, definindo expectativas de unidade social e
formas de diferença. É nesses detalhes que a antropologia pode operar com maior
precisão. E é ali que se esboça, em certos contextos, uma lógica distinta de
convivência social, que desafia categorias que naturalizamos como universais.
Isso não significa, porém, que a
China seja homogênea. Trata-se de um país de dimensões continentais, com 56
grupos étnicos oficialmente reconhecidos, regiões autônomas extensas e uma
diversidade linguística que transborda os limites do mandarim padrão. As
minorias étnicas representam cerca de 8,89% da população e estão distribuídas
por todo o território chinês, com concentrações significativas em regiões
autônomas como Xinjiang e Tibete. Cada grupo possui línguas, hábitos e
tradições distintas. Embora o mandarim seja a língua oficial e mais amplamente
falada na China, existem centenas de outras línguas utilizadas pelos diferentes
grupos étnicos. Mesmo nas regiões majoritariamente Han, idiomas locais nem
sempre vinculados a distinções étnicas, seguem vivos, inclusive em grandes
centros cosmopolitas como Shanghai. Essa diversidade linguística reflete a
complexidade cultural e histórica do país. As diferenças entre o Norte e o Sul,
entre o interior e metrópoles, ou entre Hong Kong, Taiwan, Macau e a “China
continental”, são não apenas visíveis, mas mobilizadas ativamente por seus
habitantes como marcadores de identidade. Ainda assim, há discursos que
insistem num pertencimento coletivo à condição de “ser chinês” — que podem soar
como nacionalismo a observadores externos, mas que, de dentro, assumem
contornos de pacto simbólico plural, continuamente negociado.
Essa ideia de coesão, longe de
ser natural, está ancorada em matrizes de pensamento que também são objeto de
disputa. Correntes como o confucionismo, ainda que reformuladas ao longo dos
séculos, seguem sendo evocadas em discursos públicos e debates intelectuais.
Nelas, a ideia de harmonia relacional e integração das diferenças em torno de
um centro político é articulada como proposta de estabilidade social[9].
Tais concepções, sobretudo no início do século XX, foram retomadas por certos
setores como base para pensar alternativas à crise imperial e às pressões
externas.
Falar sobre o que está
naturalizado nas sociedades ocidentais tornou-se, para muitos debates nas
ciências sociais, quase um gesto inaugural. As lutas sociais contemporâneas —
negras, indígenas, feministas, LGBTQIA+ — vêm tensionando formas históricas de subalternização
baseadas em raça, gênero e classe. Mas haveria outras naturalizações operando
mais silenciosamente? E se algumas delas estivessem justamente nas formas como
compreendemos ideias como pessoa, grupo, diferença, Estado, sociedade?[10]
Essas categorias moldam não só
nossas expectativas sobre o mundo social, mas também o modo como lemos
contextos que nos escapam. Seriam elas suficientes para interpretar realidades
organizadas por lógicas distintas? Ou seriam, justamente, o limite da nossa
compreensão? A relação entre indivíduo e coletivo, por exemplo, aparece como
algo dado, quando, talvez, seja ela própria um efeito histórico, situado, que
orienta desde as políticas públicas até a gramática das relações cotidianos[11].
Diante disso, o trabalho
antropológico talvez possa ganhar densidade ao reconhecer os contornos do
próprio olhar. Em vez de operar como um decodificador do Outro, que tipo de
perguntas se tornam possíveis quando nos voltamos também para as condições que moldam
as nossas próprias categorias? Como reagem certos modelos analíticos quando
confrontados por formas de vida que não se encaixam neles com facilidade? No
caso da China, essas provocações não se encerram em respostas. Talvez comecem,
justamente, onde nossos modelos começam a falhar.
A redução do orgulho chinês a um
suposto nacionalismo nos moldes ocidentais é, nesse sentido, uma operação
analítica preguiçosa que ignora a complexidade das formas locais de produzir
identidade, pertencimento e coesão. Mais do que diferenciar categorias prévias,
talvez seja necessário admitir que os próprios esquemas classificatórios variam
historicamente — inclusive no modo de pensar a relação entre coletividade e
pessoa.
Como mencionado anteriormente, a
China — inserida num contexto asiático em que a ideia de sociedade tende a
estar associada a formas mais ou menos explícitas de coletividade — adquire um
papel singular. Seja por sua ascensão como ator global, seja por seu histórico
de relativo isolamento durante boa parte do século XX, a China retardou, de
maneira estratégica ou contingente, a absorção dos sentidos normativos
ocidentais. Essa especificidade permitiu que se preservassem certas dinâmicas
internas, inclusive concepções de unidade e soberania que não operam segundo o
léxico liberal.
Nesse percurso, o foco na
primeira metade do século XX adquire relevância particular. Trata-se de um
período marcado por intensas transições — do colapso do império às disputas
entre diferentes projetos republicanos, passando por invasões estrangeiras, conflitos
étnicos e guerras civis. Essas transformações não apenas reconfiguraram as
instituições políticas, mas também desafiaram os sentidos locais de
pertencimento e coesão. Observar como, mesmo nesse cenário instável, certas
formas de articulação entre indivíduo e coletivo se mantiveram ou foram
reinventadas, permite questionar leituras que atribuem exclusivamente ao
socialismo contemporâneo a configuração da sociedade chinesa atual[12].
Mais do que encontrar uma origem estável, o que se busca é compreender como
diferentes camadas históricas se imbricam para produzir, ainda hoje, formas de
organização social que escapam à matriz liberal. Essa abordagem não pretende
definir um modelo, mas provocar a pergunta: até que ponto o presente pode ser
lido sem escavar as camadas mais fundas de sua formação?
Naquele contexto, já era possível
identificar, entre intelectuais chineses, a defesa de formas coletivas de
organização social — não como rejeição cega ao Ocidente, mas como tentativa de
responder às pressões externas com instrumentos próprios. Essas disputas
conceituais não ficaram apenas no plano abstrato: atravessaram o campo
político, moldaram posicionamentos ideológicos e apareceram, de forma
expressiva, no cinema produzido na época[13].
O individualismo liberal, com seus vínculos ao capitalismo, estava presente —
mas também estavam as vozes que, conhecendo bem as teorias políticas
ocidentais, sustentavam a necessidade de caminhos locais, capazes de refletir o
ethos chinês e suas tradições de coesão em meio à diferença[14].
O nacionalismo, nesse contexto, operava menos como exclusão do Outro e mais
como estratégia de integração.
Se compararmos esse cenário com o
Brasil do século XIX, certas diferenças se tornam evidentes. O liberalismo, com
sua ênfase no indivíduo como unidade autônoma, foi incorporado como modelo de
modernidade sem que suas premissas fossem amplamente problematizadas. No
contexto brasileiro, esse modelo carregava pressupostos raciais profundamente
enraizados, que sustentaram a permanência de uma hierarquia social colonial. A
miscigenação, por exemplo, era frequentemente interpretada como sinal de
degeneração, e não como expressão de diversidade, funcionando como
justificativa para a inferiorização da população brasileira frente aos padrões
europeus da época.[15].
Enquanto a China viveu episódios
de ruptura — como a queda do império em 1911 e a revolução socialista de 1949 —
que reconfiguraram seus referenciais nacionais e buscaram construir um Estado
forte, ainda que atravessado por tensões internas, o Brasil passou do império à
república sem ruptura efetiva com as elites herdeiras do sistema colonial. As
estruturas de poder se mantiveram, apenas adaptadas a uma nova gramática institucional,
que seguiu excluindo sistematicamente populações indígenas, negras e camadas
populares.
Na formulação elitista do “país
legal”, pautado no liberalismo anglo-saxão, o chamado “povo-massa” — marcado
por formas coletivas de organização classificadas como “solidariedade de clã” —
era visto como incapaz de autogoverno, dado seu suposto déficit civilizacional
ibérico. A consequência foi a adoção de um liberalismo contraditório, moldado
por estruturas latifundiárias e relações de dependência pessoal, operando como
mecanismo de controle social sob um Estado centralizado e autoritário, ainda
que travestido de modernização
Nesse sentido, enquanto o Estado
chinês se formou a partir de tradições imperiais marcadas pela administração da
diversidade[17]
e pela manutenção da coesão coletiva — mesmo sob intensas disputas —, a
constituição do Estado moderno brasileiro foi guiada por um projeto de
exclusão, que ignorava os modos de vida não individualistas dos diversos grupos
que compunham o país. Povos originários, negros recém-libertos e camadas
populares foram mantidos à margem do ideário nacional, cuja identidade moderna
se estruturou como projeto de dominação, sustentado pelo discurso racial da
miscigenação como símbolo de atraso. A comparação entre os dois processos
evidencia marcas persistentes nos modelos estatais de cada país, e reforça a
relevância de voltar àquele período de reconfiguração para compreender certos
impasses do presente.
Nada disso implica, contudo, na
ideia de que a China ofereça um modelo a ser replicado. Tampouco seria adequado
entender o coletivismo chinês como uma forma harmônica isenta de conflitos. Ao
contrário: o país convive, historicamente, com tensões internas, disputas
regionais, reorganizações sucessivas e projetos concorrentes. A leitura de que
coletividades organizadas em torno de um horizonte comum operariam sem agência
ou dissenso simplifica a complexidade histórica envolvida. Ao longo do tempo, a
história chinesa tem sido atravessada por revoltas, mudanças dinásticas,
resistências locais e reconfigurações entre atores diversos. O que parece
persistir, apesar das fraturas, é uma ênfase na manutenção da coesão — não como
dado natural, mas como projeto político e simbólico constantemente renegociado.
Essa ideia de coesão não é nova,
tampouco unívoca. Já em uma das narrativas fundadoras da civilização chinesa —
a história de Yu, o Grande — aparece a noção de que apenas a integração das
diferenças sob uma coordenação comum permitiria enfrentar os desastres naturais
O que torna a China especialmente
instigante, para contextos como o brasileiro, talvez não seja uma suposta
excepcionalidade, mas a maneira como sua trajetória tensiona pressupostos que
naturalizamos em nossas próprias formas de organização social. Seria possível
imaginar outras articulações entre Estado, coletivo e indivíduo? Em que medida
nossas ideias de cidadania, justiça ou pertencimento são realmente inclusivas —
ou apenas atualizam exclusões sob novas roupagens? Ao observarmos a escolha
chinesa, em diferentes momentos históricos, de negociar com a ordem global sem
abdicar de princípios internos de coesão, seríamos levados a perguntar: o que
essa persistência nos revela sobre as concessões que fizemos — ou fomos levados
a fazer — em nome da modernização?
A ascensão da China como potência
global não causa inquietação apenas por seus índices econômicos ou
tecnológicos. O incômodo talvez venha do fato de que tal projeção foi
construída com base em estruturas que desafiam o paradigma
liberal-individualista hegemônico. Como lidar, conceitualmente, com uma
sociedade que articula coletividade e autonomia individual de forma distinta da
matriz ocidental? O que significa reconhecer que os pilares do “nosso” mundo
moderno — mercado livre, democracia liberal, atomização identitária — não são
os únicos possíveis?
Diante disso, estudar a China não
é buscar um espelho nem um antídoto. Tampouco se trata de deslocar o erro do
passado — a idealização de povos “tradicionais” — para uma nova figura, agora
investida de potência tecnológica. A China não é o “Outro” redentor. É uma
sociedade vasta, internamente diversa, marcada por disputas, desigualdades e
contradições. É também uma civilização que resistiu à fragmentação imposta por
potências coloniais e que hoje projeta influência simbólica, econômica e geopolítica
com gramáticas próprias — algumas legíveis por nossos referenciais, outras não.
Como captar essas gramáticas sem reduzi-las a nossas categorias? Que tipo de
escuta a antropologia pode oferecer nesse contexto?
É claro que a China não detém o
monopólio das alternativas. O tensionamento com o individualismo como paradigma
universal está presente em muitos outros contextos — de aldeias indígenas a
bairros periféricos, de comunidades quilombolas à sociabilidades tradicionais
em países africanos. Mas talvez o caso chinês, pela escala que alcançou e pela
tensão que provoca, funcione como um ponto de inflexão: um convite a reexaminar
os fundamentos do que entendemos como sociedade moderna. Por ora, o que importa
é situar o gesto analítico: não se trata de tomar partido, propor modelos ou
defender exceções. Trata-se de interrogar o que nos foi ensinado como norma — e
considerar que talvez os caminhos que seguimos não sejam os únicos. Que sejam
históricos, situados e construídos e, justamente por isso, sujeitos a
reconstrução.
Cinema: quem controla a imagem, controla o possível?
Para compreender as formas de
coletividade que ainda hoje estruturam a vida cotidiana na China, é necessário
retornar ao início do século XX e observar como, naquele momento de transição,
marcado por intensos conflitos sociais e políticos, se disputavam sentidos
fundantes da modernidade chinesa — como diversidade étnico-racial (num contexto
em que a noção de raça ganhava centralidade nos projetos estatais de
modernização)[18],
governo, Estado, república — e, sobretudo, o ideal para uma China republicana.
O final do século XIX e início do XX redefiniu estruturas geopolíticas, moldou instituições
em diversas partes do mundo, estabelecendo gramáticas que, até hoje, orientam
as relações sociais e políticas[19].
Tal como o Brasil, que nesse
período transitava do regime escravocrata para a república, e experimentava os
efeitos dessa transição na forma como lidava com as relações étnico-raciais e
na constituição de suas instituições estatais, a China passou por reconfigurações
profundas. A forma como o Estado chinês se consolidou após a revolução
socialista de 1949 — e como vem processando suas tensões internas desde então —
está enraizada nos debates, impasses e projetos em disputa na primeira metade
do século XX. Para compreender o presente chinês, é relevante, portanto, recuar
àquele período: não para buscar origens fixas, mas para explorar o que foi
tensionado, mantido, transformado. A adoção do socialismo com características
chinesas[20],
por exemplo, não pode ser dissociada das negociações históricas travadas
naquele momento.
Esse retorno histórico não visa
ignorar os processos sociais e políticos das décadas seguintes, tampouco supõe
que o passado determina de forma unívoca o presente. Trata-se de reconhecer que
a transformação social entre gerações implica que elementos podem ser negados,
recuperados ou ressignificados, compondo formas contemporâneas de vida que
carregam elementos do que foi anteriormente disputado[21].
Nesse sentido, a primeira metade do século XX na China não apenas expôs
conflitos entre modelos societários em disputa, mas também produziu narrativas
que buscavam definir quais valores deveriam ser preservados ou construídos para
o futuro, tal como hoje constantemente se aciona o passado para significar o
presente.
Do ponto de vista imagético, esse
período foi especialmente fértil. A introdução da tecnologia cinematográfica —
ocidental, mas logo reinterpretada localmente — coincidiu com as invasões
estrangeiras e com o declínio do regime imperial. O cinema, nesse cenário, não
foi apenas meio de entretenimento, tampouco simples reprodutor de padrões
narrativos ocidentais. Desde o início, houve diálogo com formas tradicionais de
expressão artística, como o teatro de sombras e a ópera chinesa.
Entre as décadas de 1920 e 1940,
em meio ao pós-revolução republicana e à intensificação de conflitos internos e
externos, o cinema consolidou-se como espaço estratégico de elaboração
simbólica. Em cidades como Shanghai, a indústria cinematográfica tornou-se um
espelho fragmentado e em disputa, das tensões sociais. Intelectuais, artistas e
militantes mobilizavam elementos do imaginário coletivo e produziam novas
formas de representar a sociedade. As obras dramatizavam os impasses do tempo:
relações entre campo e cidade, tradição e modernidade, nacional e estrangeiro,
e, sobretudo, entre indivíduo e coletivo[22].
Tais tensões apareciam nas tramas aparentemente banais, mas permeadas por
visões de mundo em disputa[23].
Estudar o cinema chinês da
primeira metade do século XX não é apenas examinar o surgimento de uma indústria
cultural em consolidação[24].
É mergulhar num período em que a arte fílmica foi atravessada por disputas
políticas, censuras estatais, mobilizações ideológicas e tentativas de
reinscrever o coletivo como horizonte simbólico e ético. Os filmes desse
período, produzidos entre 1905 e 1949, não operavam apenas como entretenimento:
articulavam respostas às tensões de um país em crise e negociavam publicamente
o que significava pertencer à China.
Nesse contexto, diversos eventos políticos e sociais moldaram o cenário cultural e cinematográfico, tais como:
- 1842: Criação das concessões estrangeiras em cidades como Shanghai e Tianjin, após as Guerras do Ópio (1839–1842; 1856–1860), como resultado dos chamados Tratados Desiguais, estabelecendo enclaves sob controle de potências ocidentais[25].
- 1895: Tratado de Shimonoseki, encerrando a Primeira Guerra Sino-Japonesa, resultando na cessão de Taiwan ao Japão e marcando o início de uma série de humilhações nacionais[26].
- 1911: Revolução Xinhai, que derrubou a dinastia Qing e estabeleceu a República da China, encerrando mais de dois mil anos de governo imperial[27].
- 1919: Movimento Quatro de Maio, uma série de protestos estudantis contra o Tratado de Versalhes, que catalisou reformas culturais e políticas, promovendo o nacionalismo e a modernização[28].
- 1921: Fundação do Partido Comunista Chinês, influenciado por ideais marxistas e pelo descontentamento com o governo nacionalista[29].
- 1927: Massacre de Shanghai, onde o líder nacionalista Chiang Kai-shek reprimiu violentamente os comunistas, encerrando a aliança entre o Kuomintang e o Partido Comunista[30].
- 1931: Invasão japonesa da Manchúria, estabelecendo o estado fantoche de Manchukuo e intensificando o sentimento nacionalista chinês[31].
- 1937: Início da Segunda Guerra Sino-Japonesa, com a invasão em larga escala da China pelo Japão, resultando em ocupações e atrocidades como o Massacre de Nanquim[32].
- 1945: Fim da Segunda Guerra Mundial, com a rendição do Japão e a retomada de territórios chineses anteriormente ocupados[33].
- 1949: Proclamação da República Popular da China, após a vitória comunista na guerra civil, marcando o início de uma nova era política e cultural[34].
Desde as primeiras décadas do
século XX, a tecnologia cinematográfica foi apropriada na China em diálogo com
expressões artísticas tradicionais, como o teatro de sombras, e os primeiros
filmes, como Dingjun Mountain (1905, em Beijing), Right a Wrong with
Earthenware Dish (1909) e Stealing a Roasted Duck (1909), ambos
produzidos em Hong Kong — já refletiam o esforço de adaptar uma linguagem
estrangeira a partir de códigos e sensibilidades locais
Durante o período conhecido como Década
de Nanquim (1927–1937), o Kuomintang (KMT) utilizou o cinema como ferramenta de
construção nacional[36],
promovendo o mandarim como língua padrão e limitando a produção audiovisual em idiomas
locais, considerados obstáculos ao projeto de homogeneização — vistos como
ameaças potenciais[37].
A diversidade linguística, muitas vezes relacionada a especificidades regionais
ou étnicas, foi suprimida em favor de um léxico nacionalista que associava
unidade cultural à força militar e resistência civilizacional, fomentando
censura a alguns gêneros como o wuxia, centrado em histórias de artes marciais
e universos fantásticos, que foram sistematicamente proibidos por supostamente
disseminarem superstição e escapismo
Figura 1. Street Angel (1937)
Durante a invasão japonesa,
filmes como Storm on the Border (1940), Protect Our Land (1938), Children
of China (1939)[45],
Behind the Shanghai Battlefront (1938)[46]
e Daughters of China (1949)[47]
ativaram o patriotismo através de narrativas de resistência[48].
A oposição ao estrangeiro aparece em registros diretos (Eternal Fame,
1943)[49]
e em críticas simbólicas ao imperialismo cultural (Big Road, Street
Angel)[50].
Ao mesmo tempo, filmes como Song of China (1935)[51]
e Myriad of Lights (1948)[52]
promoveram valores familiares e rurais como um tipo de “antídoto” à
desagregação social trazida pela modernização forçada e pela guerra.
No campo estético, esse cinema
dialogou com formas narrativas ocidentais, mas sem submeter-se a elas.
Realismo, melodrama e serialismo (produção de filmes em série) foram adotados,
mas redirecionados para sensibilidades locais[53].
Goddess, por exemplo, é frequentemente comparado ao realismo europeu
Essa complexidade também se refletia nas estruturas de produção. Produtoras
como a Mingxing, Lianhua e Tianyi eram lideradas por empresários e intelectuais
chineses como Zhang Shichuan, Zheng Zhengqiu e os irmãos Shaw
Figura 2. Spring
in a Small Town (1948).
Esses filmes dialogavam com a
longa tradição histórica da China, que há séculos documenta sua trajetória e
constrói, a partir dela, sentidos para o presente. O desafio estava em
articular esse legado a teorias ocidentais sobre sociedade e Estado, num momento
em que a pressão externa exigia que a China se apresentasse ao mundo como
moderna, mas sem submeter-se a paradigmas externos, por questões ideológicas,
mas também por sentidos compartilhados, historicamente disputados, sobre Estado
e coletivo. A modernização, nesse caso, era resposta à ameaça de fragmentação
colonial, não um gesto de assimilação.
Famílias afetadas pela guerra,
trabalhadores urbanos marginalizados e personagens femininas compunham os
núcleos centrais das narrativas desde os primeiros filmes
No período que ficou conhecido
como a “idade de ouro”[61]
do cinema chinês — especialmente nas décadas de 1930 e 1940 —, com filmes como:
Big Road, Tomboy, Street Angel, and Crossroads, a
figura da mulher se tornou um veículo central para a crítica social, muitas
vezes representando as aflições do país. Como já mencionado, os filmes
frequentemente apresentavam “famílias divididas” e lares que simbolizavam a
nação dividida pela guerra, pelo imperialismo, por disputas de classe e gênero.
Nesse sentido, o melodrama muitas vezes estava focado nas questões familiares
onde o sofrimento feminino acabava sendo compreendido como um reflexo da
turbulência social
Na China pré-1949, famílias já
haviam sido representadas em Orphan Rescues Grandfather (1923) e sua
fragmentação simbolizando a situação do país em Tomboy (1936) e Street
Angel (1937). O recurso associativo continuou se repetindo como uma espécie
de microcosmo da nação em Spring in a Small Town (1948)[62].
Tais aspectos eram encontrados em contextos tanto conservadores quanto
esquerdistas
Portanto, como argumenta
É importante ressaltar que, embora abordassem o contexto nacional, as produções
estavam concentradas nos centros urbanos, oferecendo, portanto, um recorte
específico da experiência chinesa. Em termos de representação das minorias étnicas,
não se consolidou um “cinema étnico” como gênero propriamente dito, e os filmes
raramente tematizavam populações não-Han. Quando o faziam, privilegiavam
narrativas de solidariedade interétnica, em que as diferenças serviam menos
para destacar alteridades e mais como pano de fundo para performances de
unidade diante de ameaças externas. Storm on the Border (1940) (Figura
3) é um exemplo emblemático: ambientado na fronteira mongol durante a guerra
sino-japonesa, narra a cooperação entre jovens Han e mongóis contra espiões
japoneses, enfatizando a superação das tensões étnicas em nome de uma nação
unificada
Figura 3. Storm
on the Border (1940)
O cinema de esquerda, vinculado a
círculos comunistas e crítico ao governo, manteve a ênfase na unidade nacional
— ainda que sob uma ideologia distinta daquela defendida pelo nacionalismo do
KMT. Ambos operavam com representações diferentes do coletivo, mas partiam do
mesmo pressuposto de coesão. Enquanto alguns filmes eram censurados pelo
governo e as minorias étnicas obrigadas a ocultarem seus idiomas, nos filmes de
esquerda a etnia era deslocada para a classe, articulando uma retórica de
salvação frente ao imperialismo estrangeiro. As diferenças internas não
desapareciam, mas eram absorvidas por um vocabulário de solidariedade ampliada,
no qual a figura do Outro era, predominantemente, o invasor ocidental, o
japonês ou o explorador doméstico, mas não as minorias étnicas. O dissenso
étnico, quando reconhecido, tornava-se funcional à narrativa da união
necessária. Essa assimilação pode ser lida como parte de um nacionalismo
articulado pela noção de minzu, onde a diferença é absorvida por uma lógica
ampliada de pertencimento, sem negação explícita à diferença, tampouco
discursos diretos de preconceito ou discriminação.
A partir do pós-1949, o conceito
de “nação” (minzu 民族), antes mais fluido, passa a se articular mais
rigidamente em termos de Estado-nação (guojia 国家), em um
sentido mais ocidental[64],
com o Estado socialista promovendo institucionalmente a etnia como
categoria-chave de identificação. Isso resultou na consolidação do cinema
étnico (shaoshu minzu pian) como gênero próprio sobre as minorias, plenamente
instituído nos anos 1950, quando o Partido Comunista assumiu o controle da
indústria cinematográfica. O discurso oficial buscava formar um novo imaginário
nacional que reconhecesse as diferenças étnicas sob uma lógica pedagógica de
integração. Entre 1949 e 1986, filmes protagonizados por minorias étnicas
passaram a compor cerca de 6% da produção nacional. A ênfase na educação
política e no progresso levou à sistemática omissão de elementos classificados
como “resquícios feudais”
Nesse contexto, o que o cinema
não mostra é tão revelador quanto o que ele explicita e pode ser interpretado
não apenas como reflexo de um “espírito nacional”, mas como uma tecnologia
estética de construção de vínculos em prol de um sentido compartilhado de
unidade. Tal como propõe Alfred Gell
A obra, portanto, é performada
como imaginário do possível e por isso não corresponde, de imediato, às
relações sociais fora da tela. Ainda assim, o filme, enquanto artefato com
agência, atua sobre o social: seu sentido é negociado entre grupos de
interesse, ao mesmo tempo que sua recepção sugere um lastro com formas já
compartilhadas de imaginar o coletivo[65].
É nesse sentido que tais aspectos nos exige atenção não apenas ao que é dito e
mostrado, mas ao que permanece ausente, em termos de construção de sentido
imagético, assim como exige atenção a como esse filme é articulado dentro do
círculo relacional.
A análise antropológica, ao se
atentar para processos que escapam à lógica linear de causa e efeito, permite
deslocar o foco da obra e de suas motivações políticas diretas — como a ideia
de que determinado filme foi feito para influenciar a sociedade — para uma
compreensão mais ampla das relações entre imaginário, criação e recepção. Ao
observar as cenas, os cenários, os personagens e a narrativa, torna-se possível
entender como o filme, enquanto artefato cultural, expressa sentidos já
presentes no imaginário coletivo, ao mesmo tempo em que interfere nas
negociações políticas em curso entre grupos sociais. Essa abordagem inclui
também as políticas de censura — compreendidas não apenas como repressão, mas
como expressão de outros imaginários em disputa —, as estratégias de veiculação
e os possíveis impactos dessas obras, evidenciando formas específicas de
expressão dos vínculos subjetivos entre identidades, bem como os sentidos
objetivos que representam para o grupo. Elementos que, no caso da China
socialista pós-1949, ganharam novas formulações simbólicas, mas continuaram
ancorados em experiências anteriores, transformadas em material histórico. Isso
porque, ao longo do tempo, os acontecimentos seguiram sendo sistematizados e
documentados segundo uma lógica da sociedade chinesa que valoriza a
historicidade dos processos e sua organização como base de sentido no presente.
O cinema, inserido nessa dinâmica, participa dessa construção, impactando
diretamente os sentidos compartilhados na contemporaneidade.
Considerações finais
Se o ponto de partida deste trabalho
foi uma exposição dos fundamentos que fizeram nascer esta pesquisa — e se
desdobrou na pergunta: “por que estudar a China hoje?” —, as análises aqui
esboçadas sugerem que essa pergunta talvez não se restrinja apenas a uma
curiosidade acadêmica ou a uma urgência geopolítica. Talvez ela acione, antes
de tudo, diversas outras perguntas, ou mesmo uma crítica epistemológica.
Estudar a China — especialmente a
partir de um campo como a antropologia — não nos exigiria reconsiderar os
próprios alicerces do pensamento social ocidental? As noções de indivíduo,
coletividade, Estado, modernidade e resistência, tantas vezes tratadas como
universais, seriam de fato neutras, ou historicamente situadas, marcadas por
contextos e interesses específicos? Diante desses questionamentos, a escolha de
retornar à primeira metade do século XX — anterior à fundação da República
Popular da China — não foi movida por um “fetiche sobre o passado”, mas pela
hipótese de que aquele momento de disputas e instabilidade institucional
poderia nos ajudar a tensionar as fórmulas hegemônicas de organização social
que ainda operam no presente — inclusive as narrativas de que a China só é o
que é devido ao marxismo. Como dito anteriormente, as teorias de Marx tiveram e
têm importância fundamental na construção do Estado chinês moderno, mas
certamente há elementos que o levaram a especificidades quando comparado às análises
marxistas ocidentais — hoje condensadas na fórmula “marxismo com
características chinesas”, frequentemente evocada por Xi Jinping. O cinema,
portanto, como linguagem estética e performática, foi um meio potente de
observar como as identidades foram articuladas, disputadas e omitidas. E como
as tensões entre tradição e modernidade, etnicidade e nacionalismo foram
resgatadas, encenadas e reconfiguradas no imaginário popular sob a necessidade
de construção de um Estado moderno.
O que desponta desse percurso é a
percepção de que a China, longe de representar uma exceção ou um espelho
invertido do Ocidente, parece ter formulado caminhos próprios diante das
pressões coloniais e imperiais, rearticulando teorias sociais ocidentais de
modo a preservar aspectos relacionais anteriores à implementação dessas
teorias. Mas o que esses caminhos nos dizem, afinal? São apenas desvios? São
exceções à regra ocidental? Ou indícios de outra regra possível? Sua trajetória
recente — especialmente a partir do final da década de 1970, com a abertura
econômica — seria a prova de que é possível construir formas de organização
social, econômica e simbólica nos próprios termos, mesmo sob forte vigilância e
crítica internacional sobre seu modelo político e formas de participação
popular? [66]
Se assim for, esse processo
também nos força a uma outra pergunta: o que ocorre quando um país se apresenta
como alternativa concreta à narrativa liberal ocidental, considerando que,
durante praticamente todo o século XX, o modelo capitalista foi instituído como
norma civilizatória, enquanto o socialismo, por sua vez, era frequentemente
colocado como inimigo declarado da civilização?
A China, ao tensionar essa
narrativa justamente por manter-se em seus próprios termos, perturba a
estabilidade simbólica que sustenta, em grande parte, os países do Norte
Global. Seria por isso que, diante de sua emergência como potência, tantas
ideias tomadas como “comuns” no Ocidente — como “liberdade”, “democracia” ou
“autoritarismo” — ganham novas densidades, ao se mostrarem insuficientes para
descrever o contexto chinês? Mesmo frágeis do ponto de vista analítico, essas
categorias seguem sendo acionadas com força nos debates públicos. E se existe
hoje um país colocado como contraponto às concepções ocidentais, é a China.
Essas ideias circulam nas redes sociais, nas análises acadêmicas, nas
reportagens jornalísticas e nos discursos de Estado. E, ao fazê-lo, afetam
políticas públicas, orientam decisões governamentais, definem inimigos e
aliados geopolíticos, e configuram — ou reconfiguram — imaginários sobre o que
seria uma “sociedade ideal”.
Portanto, diante desses
questionamentos e do papel desempenhado pelas produções fílmicas discutidas
neste trabalho, a pergunta que se impõe, nos termos desta pesquisa, é: que tipo
de indivíduo é acionado nessas narrativas, em que o “nós” é reivindicado
deliberadamente como instância relacional e política, e não como um dado
cultural naturalizado? Ou seja, que figura individual se delineia em relação a
um coletivo que não é um pressuposto essencial, mas que, no contexto chinês, é
constantemente mobilizado enquanto legado histórico documentado e renegociado
nos processos políticos contemporâneos? E, mais que isso: que efeitos essa
figura, situada, relacional e politicamente construída, pode ter sobre nossos
próprios modos de pensar a relação entre indivíduo e sociedade?
Notas
[1] Ver:
Xondaro Guarani: arte marcial, performance e política
[2] Soft
power é um conceito proposto por Joseph Nye para descrever formas de poder
baseadas na capacidade de atrair e cooptar, em vez de coagir. Surge da
atratividade através de elementos culturais, ideais políticos e das políticas
de um país
[3] A
noção de “Oriente” como um espaço imaginado pelo Ocidente, foi criticamente
examinada por Edward Said em sua análise sobre o orientalismo como construção
discursiva
[4] Nos
anos 1990, a noção de “aldeia global”, popularizada por Marshall McLuhan,
ganhou nova força ao ser associada ao avanço da internet e à globalização
econômica, sugerindo um mundo interconectado por valores comuns e crescente
harmonia.
[5] Ver,
por exemplo, o impacto dos compromissos assumidos no Acordo de Paris (2015)
sobre a legislação ambiental brasileira, que impulsionaram a formulação de
novas políticas públicas voltadas à preservação ambiental, afetando diretamente
a atuação de grupos econômicos e as dinâmicas cotidianas de comunidades locais
[6] A
Conferência das Partes (COP) é o encontro anual dos representantes dos países e
territórios que fazem parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança
do Clima (UNFCCC).
[7] Durante
a COP 28, realizada em 2023, registrou-se a maior participação de povos
indígenas da história das conferências do clima, evidenciando o protagonismo
desses grupos na defesa de seus direitos em espaços multilaterais
[8]
Ver: Modern China. The Fall and Rise of a Great Power, 1850 to the Present
[9]
Michael Wood no livro História da China: o retrato de uma civilização e seu
povo
[10] Dipesh
Chakrabarty, historiador indiano, problematiza a universalização das categorias
ocidentais nas ciências sociais, particularmente em Provincializing Europe
[11]
No contexto chinês, Marcel Granet, etnólogo e sinólogo francês, em Chinese
Civilization
[12] Na
virada do século XIX para o XX até 1949, valores coletivos ligados à
centralidade política e à ideia de uma China unificada permaneceram presentes,
sobretudo por meio da educação promovida pelo Partido Nacionalista (Kuomintang),
utilizada como ferramenta estatal de integração e transformação social. No
entanto, como a China passava por um processo de construção do Estado nos
moldes ocidentais de Nação, tais valores foram transformados, articulando
elementos clássicos do confucionismo com a ideologia nacionalista — ainda que
hegemonicamente pautada por referências da etnia Han. Essa transformação,
impulsionada por um sistema educacional muitas vezes limitado por entraves
econômicos e logísticos, buscava fundar uma base de estabilidade social e
unidade nacional em torno do centro político
[13] A
partir da década de 1930, o chamado Cinema de Esquerda, impulsionado por
intelectuais e artistas próximos ao Partido Comunista Chinês (PCC),
consolidou-se como forma de resistência simbólica, sobretudo após a ocupação da
Manchúria pelo Japão em 1931 e o ataque a Shanghai em janeiro de 1932. A
importância do cinema como instrumento coletivo de resistência era tal que a
renomada Mingxing Film Company chegou a encorajar intelectuais de esquerda a
enviarem roteiros
[14] De
um lado, havia reformistas como Kang Youwei e Liang Qichao que, embora
influenciados por ideias ocidentais, defendiam uma monarquia constitucional e
reformas institucionais graduais. De outro, emergiam revolucionários como Sun
Yat-sen, que propunham a derrubada do império e a fundação de uma república
baseada nos “Três Princípios do Povo”: nacionalismo, democracia e bem-estar
social. As disputas entre constitucionalistas e revolucionários marcaram o
debate público do período
[15] Segundo
Lilia Moritz Schwarcz
[16]
Ver também: Americanistas e iberistas: a polêmica de Oliveira Vianna com
Tavares Bastos
[17] Durante
a dinastia Tang (618-907 E.C.), o código legal incorporou artigos específicos
para lidar com os grupos étnicos minoritários, permitindo que conflitos
internos fossem resolvidos conforme os costumes locais, enquanto disputas entre
etnias seguiam a legislação central. As autoridades adotavam práticas de
governança autônoma ou semiautônoma e tratavam com clemência os líderes
étnicos, como forma de apaziguamento e reconhecimento simbólico. O objetivo não
era forçar a assimilação, mas garantir que os grupos reconhecessem o papel
central do governo, promovendo integração política sem eliminar a diversidade
cultural. Políticas similares foram mantidas pelas dinastias Song, Yuan, Ming e
Qing
[18] O
conceito de minzu (民族) foi central na construção do nacionalismo chinês
no início do século XX, operando tanto nas disputas políticas quanto nas
representações simbólicas da coletividade.
[19] Decadência
dos impérios coloniais europeus: Um processo de descolonização que começou a
tomar força, com algumas colônias declarando independência dos impérios
europeus. Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Mudou fronteiras e levou à
criação da Liga das Nações (primeira tentativa de criar uma organização
internacional para manter a paz, precursora da ONU). Ascensão dos Estados
Unidos e da União Soviética, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Movimentos
de independência na Ásia e África, com países colonizados começaram a lutar
pela independência, mudando o equilíbrio de poder global.
[20] A
expressão “socialismo com características chinesas”, recorrente nas obras de Xi
Jinping, enfatiza as especificidades históricas, culturais e institucionais da
China na adoção do socialismo. Longe de ser apenas um adjetivo retórico, o
termo indica uma diferenciação profunda em relação a vertentes marxistas que
desconsideram os legados socioculturais. Mesmo adotando categorias semelhantes,
essas vertentes operam com sentidos relacionais distintos e produzem efeitos
concretos divergentes. Ver: La gobernación y administración de China. Vol. 1
[21] Sewell
[22] Embora,
nos períodos posteriores, a tensão entre indivíduo e coletivo tenha sido
pensada em termos de indivíduo e Estado, nas décadas de 1920 e 1940 tal tensão aflorava
também entre desejos pessoais e normas familiares ou sociais. Mesmo sem operar
como categoria explícita de análise, essas relações expressavam um imaginário
coletivo em torno da coesão nacional: “No que diz respeito ao cinema, a ‘nação’
constituída pelo ‘povo-nação’ (minzu) foi a principal preocupação entre as
décadas de 1920 e 1940”
[23] Segundo
Berry & Farquhar
[24] O
período assistiu ao surgimento e consolidação da indústria cinematográfica na
China — com empresas, salas de cinema e o aumento da produção. A partir de
1923, com o filme Orphan Rescues Grandfather, essa produção passou a
incluir funções sociais, culturais e políticas.
[25] O
Tratado de Nanquim, firmado em 1842 com o fim da Primeira Guerra do Ópio,
extinguiu o sistema comercial de Cantão e instaurou o que ficou conhecido como
os “tratados desiguais”, que concedia à Grã-Bretanha acesso privilegiado a
quatro portos chineses importantes (Xiamen, Fuzhou, Ningbo e Shanghai). Esse acontecimento
consolidou a presença britânica na China por um século. Mais tarde, durante a
Segunda Guerra do Ópio, os britânicos e franceses forçaram mais concessões
[26] O
Tratado encerrou a Primeira Guerra Sino-Japonesa com a derrota chinesa,
resultando na cessão de Taiwan ao Japão. A perda territorial foi percebida como
humilhação nacional e marcou a imagem da China como o “homem doente da Ásia”.
Taiwan permaneceu sob domínio japonês até 1945
[27] Ver
História da China: o retrato de uma civilização e de seu povo
[28] O
Movimento de 4 de Maio de 1919 teve início com protestos estudantis em Beijing,
contra a decisão dos tratados de Versalhes de transferir o controle da região
de Shandong do antigo domínio alemão ao Japão, em vez de devolvê-la à China.
Inspirado por mobilizações anticoloniais globais, o movimento marcou uma virada
nacionalista e cultural, articulando demandas por democracia, soberania e
modernização, além de ser contra tradicionalismos que engessava a China em
modelos antigos
[29] O
Partido Comunista da China (PCCh) — fundado em julho de 1921 com sua primeira
reunião em Shanghai onde Mao Zedong, um dos delegados fundadores, havia sido
inspirado pelo Movimento Quatro de Maio —, foi uma consequência a movimentos
políticos internos e externos. A Revolução Russa de 1917 impactou o cenário
global, oferecendo um modelo político para movimentos de libertação em vários contextos
coloniais. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, ideias comunistas ganharam ainda
mais força em várias regiões. Na Índia, conspiradores bolcheviques planejavam
uma revolta contra o domínio britânico, enquanto na China o comunismo surgia
como instrumento forte anticolonial e anti-imperialista
[30] Em
1927 o KMT começou a reprimir severamente os comunistas, chegando a matar
milhares, inclusive familiares de Mao Tsé-tung. Mao então se refugiou com os sobreviventes
e chegou a fundar, em 1931, com apoio soviético, a “República Soviética Chinesa”,
na fronteira entre Jiangxi e Fujian, com características autônomas, com um exército
que chegou a 140 mil membros, um sistema fiscal e emissão de moeda
[31] Em
1931, o Incidente de Mukden justificou uma ocupação japonesa da Manchúria
seguida pela criação de um estado “fantoche” de Manchukuo. Como recurso para
legitimar ao novo regime, os japoneses colocaram como governante o último
imperador Qing, Puyi, na tentativa de explorar certo prestígio imperial. A
invasão acirrou o patriotismo e consolidou a presença militar japonesa na
região
[32] Um
dos episódios mais brutais foi o Massacre de Nanquim (1937–1938), quando tropas
japonesas assassinaram até 300 mil civis e prisioneiros chineses, utilizando o
estupro sistematicamente como arma de guerra. “Analisando a experiência chinesa
da Segunda Guerra Mundial como um todo, no entanto, é fácil esquecer que, para
o povo chinês, a guerra começou em 1937 e efetivamente terminou em 1949, e que
envolveu grande destruição e morte de talvez 14 milhões de pessoas. A
resistência chinesa (como “a Quarta Aliada”) foi crucial para encerrar a guerra
mais rapidamente do que poderia ser: 40% de todas as baixas japonesas ocorreram
na China”
[33]
“Quando os japoneses se renderam em 1945, a frente nacional se desfez e os
nacionalistas e comunistas travaram uma dura guerra civil. Apoiados pelo
Ocidente, especialmente os Estados Unidos, os nacionalistas tinham a mão de
obra e o equipamento. Os comunistas estavam desarmados, mas, depois de doze
anos em Yan’an, suas reformas agrárias ganharam apoio de massa em todo o
campo.”
[34] “Após
intensos combates, o apoio aos nacionalistas diminuiu, e eles fugiram para
Taiwan. No outono de 1949, o Exército Vermelho chinês ocupou Pequim e a
República Popular foi fundada.”
[35] Ambos
dirigidos por Ren Pengnian, um dos principais cineastas do período, que
explorava figuras patrióticas cujos atos exaltavam o bem coletivo sobre o
interesse individual
[36] Com
a criação do Comitê Nacional de Censura de Filmes (NFCC), o KMT passou a
supervisionar diretamente o conteúdo cinematográfico como parte de sua
estratégia de centralização cultural
[37] “Um
dos atos de censura mais importantes da década de 1930 foi a proibição de
filmes em qualquer língua falada que não fosse o mandarim, porque ‘aos olhos do
governo central, o dialeto local era um fator de apoio ao separatismo regional’.
De acordo com Stephen Teo, isso levou os cineastas baseados em Cantão a se
mudarem para Hong Kong e fazer da cidade a base para a produção de filmes em
língua cantonesa a partir de então. Como Hong Kong não era uma entidade
política nacional, a língua usada nos filmes não era um problema para seus
governantes britânicos, e os ciclos de filmes em mandarim e cantonês produzidos
lá eram em grande parte impulsionados pelo mercado”
[38] O
filme contrasta a vida do proletariado e dos capitalistas
[39] Filme
considerado de esquerda porque nas tensões sociais e nas disparidades
econômicas entre camponeses e proprietários de terras
[40] Filme
de esquerda que promove ideais patrióticos e socialistas, aborda a crise
nacional e aborda a ideia da luta de classes, chamando atenção para a
solidariedade entre o povo
[41] Um
filme da Lianhua, produtora associada a cineastas de esquerda. A obra explora a
ligação entre a carreira de uma mulher, o proletariado urbano e o nacionalismo
[42] Filme
que foca na corrupção moral de um jovem e contrasta sua ascensão social com o
sofrimento e os sacrifícios de sua esposa e mãe. A obra é extremamente crítica
das condições sociais sob o regime do Kuomintang e estabeleceu um recorde de
bilheteria em Xangai, se tornando uma das produções mais influentes do
pós-guerra
[43]
Dirigido por Wu Yonggang (cujo trabalho chegou a ser concebido para imunizar a
juventude chinesa contra o liberalismo), o filme é um melodrama que aborda a
prostituição, considerado um exemplo clássico de filme de esquerda.
[44]
Um melodrama que expõe a agressão japonesa e a exploração de classe através das
histórias de irmãs deslocadas. A obra explora a arquitetura de Shanghai mostrando
as divisões de classe, relacionando a experiência individual ao cenário social
[45] Filmes
de guerra aclamados pela crítica, produzidos depois que os japoneses tomaram
Hong Kong e Chongqing
[46]
Um dos filmes patrióticos que representavam uma grande porcentagem das
produções de Hong Kong na época
[47]
Filme produzido no ano da Revolução Popular que aborda claramente a experiência
da guerra de resistência contra o Japão. É descrito como uma obra que glorifica
o nacionalismo chinês com base em um evento da guerra Sino-Japonesa. O filme
também retrata a participação direta de mulheres no combate e seus sacrifícios
heroicos
[48]
Desde a invasão japonesa na Manchúria em setembro de 1931, filmes que
dialogavam com a ideia de uma coletividade ameaçada, começaram a surgir. A
partir de 1932, surgiram Two Orphan Girls from the Northeast (1932), que
conta a história de duas meninas forçadas a fugir de sua terra natal invadida
no nordeste da China, que no final, embora tenham se apaixonado pelo mesmo
homem, todos se dedicam a cuidar dos feridos; e Struggle (1933), história
centrada em um jovem camponês cuja esposa foi estuprada e morta por um senhorio
perverso. Mais tarde o jovem se junta ao exército e mesmo tendo a chance de se
vingar do senhorio perverso, decide guardar suas balas para os japoneses.
[49] O filme Eternal Fame produzindo em Shanghai
em 1943, embora tenha sido patrocinado pelos japoneses, a obra focou na
Primeira Guerra do Ópio e apresentou uma representação racista dos ingleses. Os
japoneses tinham uma retórica pan-asiática de resistência ao imperialismo
ocidental, o que fez do filme um registro de oposição direta aos britânicos
[50]
Os filmes do pós-guerra associavam personagens com caráter negativo ao
comportamento dos ocidentais burgueses e a uma espécie de “imperialismo
cultural ocidental”. Uma maneira de resistir tanto ao imperialismo japonês
quanto à cultura burguesa ocidental. Os esforços para resistir ao domínio de
Hollywood no mercado de filmes, surgiu com a oposição de cineastas
nacionalistas ao projeto de Hollywood de construir uma “Hollywood do Leste” em Shanghai
[51] O
filme aborda a ideia de valores familiares tradicionais associados ao campo, em
contraste com a corrupção que estaria presente na vida urbana. O campo
comumente era compreendido como um local de tradição, idílico e violado pela
tecnologia moderna. Também era compreendido como o berço da revolução, porque
predominava as paixões primitivas. A obra teria sido associada a visão do KMT
de tradição nacional e ética confuciana para a construção da nação
[52]
Obra que aborda as dificuldades urbanas pós-guerra, como desemprego e falta de
moradia, focando na solidariedade e o esforço coletivo (enraizados na esfera
familiar) em resposta às adversidades urbanas
[53] O
melodrama era o modo dominante enquanto o realismo foi adotado de modo
hegemônico e “oficial” como expressão da modernidade. A produção de filmes em
série também era uma característica da indústria
[54]
“[...] o uso combinado de órfãos reais e uma câmera escondida cria efeitos
artísticos que guardam grande semelhança com os do neorrealismo italiano do
pós-guerra”
[55]
“[...] O indizível em todos esses filmes é a divisão familiar, representada
como a perda patriarcal das gerações futuras em Tomboy, como perda da
pátria, perda da família e, de fato, perda da vida em Street Angel e,
finalmente, como a perda de uma era em Spring in a Small Town”
[56] Man’ei
estabeleceu relações comerciais controladas pelo Japão e até estúdios de cinema
japoneses (como Toho e Shochiku). Administraram escolas de cinema de 1937 a
1944
[57] No
pós-guerra, destacaram-se estúdios com orientações ideológicas distintas. A
Kunlun, fundada em 1946, reunia ex-cineastas de esquerda e articulava projetos
engajados politicamente
[58] A
história se passa no inverno de 1948, mostrando a vida dentro de um edifício em
Shanghai. A narrativa reflete em menor escala, o que aconteceu durante os
últimos dias da guerra civil
[59] O
filme apresenta uma história de amor triangular e considerado tendo “maturidade
conceitual e técnica”. Os críticos consideraram um dos melhores filmes de arte
produzidos antes de 1949, equivalente a Cidadão Kane (dir. Orson Welles, 1941)
[60] “Nas
décadas de 1910 e 1920, o que cada vez mais preocupava os cineastas chineses
era a reação da nova geração ao antigo conceito confucionista de uma estrutura
familiar hierárquica, que define rigidamente os papéis sociais e familiares de
marido e mulher, mas deixa pouco espaço para a consideração mútua”
[61] Alguns
historiadores distinguem duas “idades de ouro” no cinema chinês: a década de
1930 (pré-guerra) e a de 1940 (pós-guerra)”
[62] Spring
in a Small Town (1948) destaca-se por sua representação realista da família
como microcosmo da sociedade em transformação, enfatizando a intervenção
política e questões sociais no pós-guerra
[63]
“A articulação do nacional no cinema chinês das primeiras décadas se dava em
múltiplos níveis, do inconsciente, passando pelo simbólico, até o alegórico.
[...] a preocupação com o nacional era evidente na nomeação de estúdios
cinematográficos. O espírito iluminista e o discurso nacionalista predominantes
no final da Dinastia Qing e no período Quatro de Maio deixaram uma marca
visível em nomes como “Xinmin” e “Minxin”, ambos apontando para um ‘novo povo’
da China”
[64] A
expressão “sentido ocidental” refere-se à concepção moderna de nação
consolidada na Europa a partir do século XVIII, marcada por uma gramática
individualista, homogeneizante e centrada na equivalência entre Estado e
soberania nacional
[65]
“A agência social pode ser exercida em relação às “coisas”, assim como pelas
“coisas” (e também animais)
[66]
Jabbour
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