quarta-feira, 11 de junho de 2025

Modernidade e imaginação coletiva no cinema chinês na primeira metade do século XX: disputas simbólicas e construção de pertencimentos

Modernidade e imaginação coletiva no cinema chinês na primeira metade do século XX: disputas simbólicas e construção de pertencimentos

Texto produzido como parte das atividades do estágio docente vinculado ao curso de Doutorado em Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) — 10/06/2025. 

Wallace Ramos de Figueiredo (Nino Rhamos)
https://doi.org/0.5281/zenodo.15628263

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Resumo

Este trabalho reúne reflexões iniciais de uma pesquisa de doutorado em andamento, dedicada a investigar as relações entre indivíduo e coletividade na China moderna, com ênfase na produção cinematográfica da primeira metade do século XX. A partir da análise de filmes como arquivos simbólicos, propõe-se uma leitura antropológica das articulações entre categorias como “Estado”, “tradição”, “modernidade” e “etnicidade” — não como dados fixos, mas como campos de disputa. Sem pretensão de esgotar o tema, o texto busca levantar questões sobre os sentidos coletivos em disputa naquele contexto histórico, propondo reflexões sobre de que modo essas disputas ainda ressoam em formas contemporâneas de imaginar a coletividade na China.


Introdução

Escrever um texto que tem por pretensão expor elementos de uma pesquisa de doutorado, mantendo-se ainda em um tamanho razoável, não é tarefa simples. Quando essa pesquisa é sobre a China — e mais ainda, sobre um período histórico repleto de acontecimentos —, o desafio se intensifica. Falar sobre a China não é algo incomum hoje. Com os BRICS cada vez mais ativos na dinâmica global, e com a China ocupando um papel central entre os países que se projetam em oposição às hegemonias tradicionais, tudo que envolve o país desperta interesse. Multiplicam-se análises, interpretações e tentativas de explicação — algumas cuidadosas, outras precipitadas. Dentro desse mar de certezas, não posso ignorar o risco de que este trabalho se torne mais uma produção externa que pretende falar sobre a China. Assumo esse risco — mas com ressalvas. Embora eu fale sobre a China, falo a partir de uma China que me atravessou.

Minha relação com a China começou na adolescência, por volta dos quinze anos, com os primeiros estudos sobre o taoismo, guiados por uma professora que fora aluna do mestre Liu Pai Lin. Aquele modo de ver o mundo me marcou profundamente. E aquele país distante — distante dos imaginários populares da década de 1990, muitas vezes filtrados por estereótipos — passou a fazer parte da minha vida cotidiana de maneira concreta. Ao longo dos anos, seguiram-se outros encontros, como as aulas com o mestre Li, no Rio de Janeiro, com quem convivi semanalmente durante anos, e a construção de laços com inúmeros amigos chineses, fruto de trocas informais enquanto eu estudava mandarim e oferecia ajuda a estudantes chineses que aprendiam português. A China se tornou, antes mesmo da antropologia, parte do meu cotidiano.

A ideia de viajar pelo país foi amadurecendo conforme essas relações se aprofundavam. Quando, anos depois, ingressei na antropologia com um interesse particular pelos estudos étnicos, esse caminho acabou se fortalecendo de forma quase orgânica. O que até então era parte das camadas mais íntimas da minha trajetória começou a se articular com o que eu vinha estudando em Ciências Sociais desde 2015. Foi nesse encontro entre o pessoal e o acadêmico que o interesse pelas relações étnicas na China emergiu, dando forma ao que viria a ser, mais tarde, o projeto de doutorado.

O projeto de pesquisa do doutorado, portanto, surge em 2021, inicialmente voltado para os estudos étnicos no Brasil, e foi reformulado em 2022 para pensar a China como um Estado que se organiza a partir de uma configuração étnica institucionalizada. Embora essa mudança pareça simples, ela trouxe uma diferença fundamental: enquanto no Brasil a noção de etnia se apoia na oposição entre grupos étnicos e não étnicos, na China, o pertencimento étnico constitui um dado comum, institucionalmente reconhecido. Essa distinção — entre etnia como exceção e etnia como condição de existência — me levou a reconsiderar os próprios usos da categoria.

As perguntas que despontaram não foram apenas sobre quem são os povos considerados “étnicos”, mas por que há, dentro de uma mesma lógica estatal, grupos classificados como étnicos e outros não. Esses questionamentos, que já envolvem tensões raciais em si, só ganharam nitidez a partir da observação das relações étnicas na China. Nesse contexto, embora exista um grupo étnico majoritário, percebi que pertencer a um grupo reconhecido como “minoritário” não implica as mesmas condições de marginalização que no Brasil. Pensar as relações étnicas na China exigia, portanto, não apenas compreender quando e como essa categoria é acionada, mas também investigar o que ela mobiliza enquanto ideia de identidade — e como essa identidade se articula com outros marcadores de diferença.

Tão logo comecei a interagir com chineses online — prática que se intensificou a partir de 2020 e ganhou contornos antropológicos em 2022 —, tornou-se evidente que pensar apenas em termos de diferença étnica seria insuficiente para captar a complexidade das identidades em jogo. A experiência diária de acompanhar, por pelo menos três horas, transmissões ao vivo conduzidas por chineses — ora conversando, ora apenas observando as interações — revelou uma variedade de marcadores de diferença acionados de forma constante e situada. Diferenças regionais entre Norte e Sul, contrastes entre áreas urbanas e rurais, especificidades de regiões autônomas, distinções de gênero e, sobretudo, uma diversidade linguística viva e profundamente articulada com o mandarim oficial, compunham um quadro múltiplo de pertencimentos.

Embora tais elementos possam ser observados em outros contextos socioantropológicos, o que me chamou atenção foi a forma ativa e explícita com que são mobilizados na China — não apenas para demarcar diferenças internas, mas, sobretudo, para sustentar um sentimento de unidade. A identidade coletiva chinesa não se constrói em oposição à diversidade interna: ao contrário, é comum observar que marcadores locais — como província, região, língua ou pertencimento étnico — são acionados com orgulho e funcionam como expressões legítimas de identidade. Ainda assim, esses marcadores raramente operam em tensão com a identidade nacional; em muitos casos, são articulados como extensões ou variações dela, o que reforça a centralidade de um pertencimento coletivo.

Essa mobilização era especialmente visível nas interações com estrangeiros. Era recorrente ver interlocutores chineses falarem de si em termos nacionais — “nós, chineses” — e descreverem o país como se expressassem interesses próprios. Não se trata, portanto, de um dado natural, mas de uma articulação relacional constantemente atualizada, em que diversidade e unidade operam juntas sem entrarem em contradição explícita. Esse ponto contrasta, por exemplo, com o que se observa em outros contextos — como o brasileiro — onde o acionamento de uma identidade nacional por vezes é percebido como contraditório em relação a pertencimentos regionais, étnicos ou locais. Mais do que traçar comparações diretas, trata-se aqui de reconhecer que as formas de articulação entre coletivo e diferença variam historicamente e que, no caso chinês, essa coexistência tensionada entre unidade e pluralidade se expressa com uma nitidez particular. Essa coexistência de marcadores identitários — ao mesmo tempo distintos e integrados — não é um dado menor; ela reaparece, de forma sutil e atravessada por contextos históricos, nas imagens e narrativas que compõem os filmes do período que serão discutidos mais adiante.

Ao observar as leituras mais recorrentes sobre a China no debate público contemporâneo, é possível notar a centralidade que o pensamento marxista costuma ocupar como chave interpretativa predominante. A tensão entre capitalismo e socialismo, entre visões liberais centradas no indivíduo e concepções coletivas de organização social, muitas vezes se converte, nas análises, em uma chave única de leitura centrada na ideologia do Estado chinês. Como se a sociedade chinesa, enquanto tal, tivesse começado em 1949. É evidente, porém, que esse momento histórico teve um papel fundamental na reconfiguração institucional das categorias identitárias e na consolidação de uma lógica coletiva articulada pelo Estado moderno. Essa organização, no entanto, não surgiu espontaneamente: ao longo da história chinesa, inclusive sob formas imperiais de governo, já havia legislações e dispositivos voltados ao reconhecimento e à regulação das diferenças étnicas. O que se propõe aqui, portanto, não é negar a importância de 1949, mas observar que os sentidos compartilhados que sustentaram essa reorganização já vinham sendo moldados nas décadas — e mesmo nos séculos — anteriores. Ignorar esse percurso histórico fragiliza a compreensão do presente e impede uma análise mais densa da continuidade (e das rupturas) que marcam o campo das identidades na China.

Essa constatação não se trata de uma crítica ao marxismo como teoria, tampouco de uma recusa de sua leitura do mundo, mas de um alerta contra o risco de uma sobreposição explicativa. Para nos aproximarmos da China em termos antropológicos — e, em especial, para refletir sobre as formas pelas quais as identidades se articulam —, é preciso reconhecer que nenhum país, ainda mais um com a complexidade e o tamanho da China, pode ser compreendido apenas pela ótica de um modelo teórico, por mais influente que seja. Ainda que o marxismo tenha um peso significativo no sistema educacional contemporâneo e na formação política chinesa, não é possível concluir que os modos como as identidades se estruturam hoje derivam exclusivamente da Revolução de 1949.

Trata-se de um debate amplo, por vezes atravessado por paixões políticas, sobre o quanto o socialismo chinês é produto de uma pedagogia institucional ou, ao contrário, expressão de elementos coletivos já presentes na sociedade antes da institucionalização do regime. No contexto da minha pesquisa, percebi que uma abordagem focada apenas em elementos contemporâneos tenderia a ter suas conclusões absorvidas pela presença atual do sistema socialista, o que acabaria por limitar a possibilidade de deslocamento analítico. O próprio fato de o regime estar objetivamente presente nas políticas públicas e na organização do Estado cria uma camada de leitura que tende a influenciar não apenas o campo empírico, mas também as interpretações subsequentes.

O socialismo chinês, como toda teoria social, não deve ser tratado como algo dado ou natural. Assim como o capitalismo — que frequentemente se disfarça de “natureza humana” ao justificar seu individualismo —, o socialismo na China também é fruto de processos históricos, simbólicos e relacionais, articulados tanto interna quanto externamente. Ele se enraíza em um terreno simbólico complexo, já em disputa antes de 1949, e se desenvolve em diálogo com formas locais de organização e significados compartilhados. A sociedade chinesa não começou com Marx. Muito antes disso, escolhas coletivas, disputas simbólicas e imaginários sociais já desenhavam horizontes possíveis. Quais foram os elementos pré-existentes que permitiram à China adotar, com tamanha força, um modelo que fugia à lógica dominante do Ocidente no século XIX? Essa é a pergunta que me move.

A questão toda é que, diante da tendência à naturalização de certos comportamentos sociais presente em parte das leituras estrangeiras sobre a China — especialmente aquelas inspiradas por abordagens marxistas não contextualizadas ou por perspectivas pouco atentas ao repertório antropológico local —, pensar as relações étnicas na China dentro de um campo mais amplo de relações identitárias, chegando até mesmo à reflexão sobre concepções de indivíduo e coletivo, exigiu que eu escolhesse um campo de estudo que trouxesse elementos anteriores a 1949. Isso porque tudo o que ocorre após esse ano pode facilmente ser absorvido por interpretações que atribuem exclusivamente ao regime socialista a forma como os chineses concebem suas identidades em relação.

Porém, mesmo reconhecendo a necessidade de abordar períodos anteriores à fundação da República Popular da China, a questão que se impunha era: como acessar esse universo de sentidos compartilhados sem que ele se perdesse numa simples cronologia de eventos históricos? Onde, além dos registros oficiais, estariam as pistas das subjetividades daquele tempo?

Meu dilema, no entanto, não durou muito. Durante o mestrado, ao pesquisar os Guarani Mbya em São Paulo e Angra dos Reis, deparei-me com um elemento que, até então, eu não havia previsto como tão central: a imagem. O campo me mostrou como um mestre xondaro expressava com orgulho a circulação de vídeos em redes sociais que retratavam os xondaro em performance, especialmente em momentos de disputa. Aqueles registros visuais não eram apenas individuais; eram acionamentos coletivos. Eram imagens que extrapolavam o entretenimento: carregavam uma função política, atuando diretamente sobre o imaginário de quem as assistia. Eram instrumentos de força simbólica, capazes de interferir na relação agonística entre atores sociais[1].

Essa constatação, feita em outro contexto, me levou a olhar para a China em um momento igualmente marcado por conflitos: o início do século XX. Ali, encontrei no cinema chinês da época um arquivo valioso, onde o mesmo tipo de agenciamento simbólico parecia se desenhar — em escala muito maior, mas com intenções semelhantes. Ainda que inicialmente influenciado por lógicas capitalistas e pela estética do entretenimento ocidental, o cinema chinês desse período não demorou a se transformar em espaço de resistência: tanto frente às invasões estrangeiras, quanto como arena de disputas sobre os caminhos para a construção de um projeto de país moderno — à sua maneira, nos seus próprios termos.

O delineamento da pesquisa de doutorado, portanto, foi tomando forma a partir de múltiplos vetores: minhas relações com chineses ao longo dos anos — que, mais tarde, ganharam contornos antropológicos —; a força de discursos que tratam a China quase como uma invenção de Marx; e, por fim, a influência da pesquisa de mestrado, que me apresentou a imagem como vetor de agência coletiva. Estudar o cinema chinês do início do século XX tornou-se, então, uma oportunidade valiosa para acessar modos de relação social anteriores a 1949. Ainda que meu foco não seja uma análise histórica, investigar como as identidades se articulavam naquele período me permite observar o presente com outros olhos — compreendendo, de um lado, os caminhos que levaram à adoção do regime socialista; e, de outro, certos aspectos sutis do comportamento coletivo que, apesar de sua complexidade, se tornaram normatizados a ponto de sustentar alguma generalização. Surge, assim, mais uma pergunta orientadora: em que grau de normalidade as identidades e os sentidos sobre individualidade e coletividade já estavam presentes naquele momento, a ponto de ainda serem reconhecíveis hoje?

É claro que não proponho uma leitura homogênea do comportamento chinês, tampouco pretendo me somar à legião de “explicadores” da China que proliferam nas redes sociais. Como disse anteriormente, fui atravessado por esse país desde a adolescência, ainda que sob formas imaginadas — e minha leitura da China nasce, portanto, desse envolvimento específico. Sem me aprofundar em questões envolvendo o viés do pesquisador em pesquisas antropológicas, meu compromisso com a exposição do meu contexto, portanto, parte de um lugar onde a exposição da própria história corresponde me comprometer com a própria coerência que a pesquisa necessita. Nesse sentido, o antropólogo deixa de ser um narrador do outro e passa a ser um objeto de pesquisa onde o seu histórico também deve ser avaliado quase como mais uma variável de estudo. É a partir desse atravessamento que busco elaborar o que posso perceber da China — uma lógica possível, construída a partir do modo como fui afetado.

Dito isso, a pesquisa ganhou ares concretos à medida que os caminhos foram sendo abertos e os recortes aconteceram quase por imposição das próprias condições. As perguntas que me orientavam estavam latentes. Meu interesse não era apenas as relações étnicas, principalmente porque na China tais relações, para além dos seus tensionamentos, estão imbrincadas com outras identidades que se articulam em sentidos compartilhados sobre o coletivo em que estão inseridas. O cinema da primeira década do século XX, em outra chave, surge como objeto documental de análise para compreender como que tais categorias eram articuladas naquela época, como se davam as relações identitárias e os sentidos de coletivo em disputa, não apenas em termos discursivos, acionados objetivamente pelos atores — em cena ou não —, mas também os elementos subjetivos, os afetos acionados nos filmes, as relações entre os personagens e as narrativas construídas em prol de dilemas concretos vivenciados naquele período. Por fim, como elemento agregador de conhecimento in loco, somo as experiencias uma vivência na China passando por cidades como Shanghai, Hangzhou, Suzhou, Changzhou e Shiyan.

Refletir sobre uma experiência in loco exige, antes de tudo, alguns esclarecimentos metodológicos. Os debates sobre a duração da permanência em campo e sobre a centralidade do território como marca da etnografia não são novos, mas continuam a aparecer — muitas vezes associados a uma ideia clássica de “campo legítimo”. Tempo e espaço continuam sendo elementos importantes, mas dificilmente são, hoje, critérios determinantes para a validade de um trabalho antropológico. Mais relevante do que a duração ou a localização geográfica é o tipo de vínculo estabelecido com os contextos estudados e a forma como esses vínculos são elaborados na pesquisa. Nesse sentido, não proponho aqui uma definição do que seria ou não um “trabalho de campo”, mas compartilho a lógica que orientou a incorporação das experiências que vivi — tanto nos espaços presenciais quanto nos digitais — como parte do processo de construção do objeto. Essas experiências, somadas à análise dos filmes, constituem o corpo da pesquisa e dialogam com uma perspectiva de etnografia que se dá em movimento, nas margens porosas entre presença e circulação, observação e participação.

Em vez de pensar o campo como algo físico e claramente delimitado, como ainda aparece em algumas defesas atuais, proponho partir da ideia de que a vivência etnográfica hoje não pode mais ser entendida em termos estáticos. Como aponta George Marcus (1998, p. 5), vivemos num mundo de “sentidos em plena circulação”, onde as fronteiras culturais e espaciais são porosas, atravessadas por fluxos materiais e simbólicos. A pesquisa, nesse cenário, se dá em trânsito — e é nesse deslocamento que ela se torna possível.

Além disso, a dimensão virtual passou a ser parte estrutural da vida cotidiana, tornando impossível separar com nitidez o que é on-line e o que é off-line. Os afetos que circulam nas redes, os discursos institucionais digitalizados, os conflitos e alianças formados no plano digital impactam diretamente o mundo presencial. E vice-versa. Mesmo que alguns contextos ainda permitam certa desconexão, a maioria dos temas investigados hoje pressupõe a convivência entre essas camadas. Como lembra Marcus (1998, pp. 49), a fluidez da vida contemporânea desafia qualquer tentativa de controle total sobre os objetos ou campos de estudo.

Diante disso, a proposta de uma etnografia multissituada surge para o autor como resposta metodológica potente. Ela desloca o foco da fixação espacial para o rastreamento de conexões entre lugares, sujeitos, símbolos e narrativas. Seu objetivo não é mapear tudo, mas encontrar sentidos em movimento — articulando escalas distintas sem se prender a nenhuma delas (Marcus, 1998, p. 50). Em vez de se limitar a uma imersão única e contínua, esse tipo de etnografia propõe uma lógica relacional, em que comparação e circulação fazem parte do próprio processo de construção do conhecimento. Como reforça Falzon (2009, p. 120), não se trata de uma multiplicação de locais, mas de um reposicionamento crítico diante da lógica clássica do campo etnográfico.

Nos termos desta pesquisa, portanto, o deslocamento metodológico se materializou de formas específicas: no acompanhamento on-line de streamers chineses ao longo de três anos, somado a uma imersão de trinta dias. Essa composição, articulando fluxos digitais, deslocamentos territoriais e experiências situadas, envolveu o que George Marcus (1998, p. 92) chamou de tentativa de rastrear os correlatos sociais e os fundamentos das associações “mais claramente vivos no uso da linguagem e na mídia impressa ou visual” — ou seja, uma resposta direta à necessidade metodológica de lidar com objetos complexos, dispersos e instáveis.

A experiência presencial na China não começou com o deslocamento físico. Ela foi precedida por um processo relacional cultivado no espaço digital ao longo de anos, o que tornou possível estabelecer conexões locais mais orgânicas e uma interlocução situada. Inclusive, no contexto das relações sociais com chineses — que raramente se constroem de forma imediata — esse engajamento prévio foi decisivo. Seria inviável estabelecer laços de confiança ou trocas significativas durante um curto período presencial sem essa experiência digital anterior.

Este trabalho não busca resolver todos os aspectos do estudo, mas apresentar alguns dos elementos que considero centrais no processo de formulação das análises. Na seção seguinte, Por que estudar a China hoje?, exploro por que é necessário pensar o país não apenas sob uma ótica geopolítica, mas sobretudo antropológica — sem, contudo, recair em particularismos que ignoram os debates mais amplos. Em seguida, na seção Cinema: quem controla a imagem, controla o possível?, passo a uma síntese das análises fílmicas, situando os filmes em seus respectivos contextos históricos e esboçando uma leitura de como esses materiais expressam disputas sobre a formação de coletivos, identidades e horizontes éticos.

A pergunta que atravessa esse caminho não é apenas o que o cinema representava, mas que tipo de sujeito ele tornava visível — e sob quais condições. A resposta aqui, como espero deixar claro, não é conclusiva — e talvez nem devesse ser. Mas os deslocamentos, tanto físicos quanto simbólicos, que compõem esta pesquisa, talvez permitam perceber como, em determinados contextos históricos, o “nós” não é uma categoria dada. Ele é construído, disputado e performado em imagens, narrativas e relações.


Por que estudar a China hoje?

Quando se fala sobre a China hoje, especialmente a partir do Brasil, o tema parece ter sido capturado por uma estética de redes sociais. Tornou-se objeto de fascínio para influenciadores impactados por inovações tecnológicas, megacidades reluzentes e paisagens exuberantes — inspirados pelo soft power[2] chinês. A China virou uma espécie de commodity discursiva nas redes sociais. De viajantes a “especialistas” de TikTok, passando por analistas geopolíticos, professores e comentaristas diversos, há uma profusão de vozes dispostas a dizer — com precisão muitas vezes autodeclarada — o que é a China. Descrevem comportamentos, interpretam instituições, explicam dinâmicas como se encarnassem os primeiros antropólogos europeus voltando à “civilização” com as “verdades” coletadas nas colônias. Em espaços acadêmicos distantes do universo chinês, o imaginário sobre a China frequentemente oscila entre curiosidade genuína, exotismo e desconfiança. Persistem imagens herdadas de um “Oriente” irredutivelmente outro[3], formuladas ao longo do século XX por meio de lentes ocidentalizadas. Quando há interesse, ele muitas vezes surge mediado por esse enquadramento: a China como exceção, como curiosidade analítica. A pergunta não dita — mas presente — tende a ser: por que estudar a China? O que isso tem a ver conosco? Com tantos desafios internos, por que olhar para um país geograficamente distante?

A própria noção de distância, no entanto, exige revisão. Em contextos marcados pela circulação digital e pela interdependência econômica, essa ideia torna-se menos descritiva do mundo e mais reveladora de uma experiência social encapsulada. Ainda que nossas comunicações dependam de servidores estadunidenses e nossos aparelhos sejam produzidos na China, seguimos operando como se o “fora” estivesse suspenso. Essa dissociação é tudo menos espontânea: reflete uma lógica geopolítica consolidada que ainda organiza proximidades e distanciamentos. Países como Estados Unidos, França ou Itália nos parecem familiares; outros — como China, Índia ou Irã — soam estranhos, quando não ameaçadores. No caso chinês, esse distanciamento se combina a uma admiração difusa pela inovação tecnológica, somada a um desconforto nem sempre explicitado diante da organização social conduzida por um partido comunista. O resultado é um campo imagético ambivalente: entre o fascínio e a rejeição, entre a curiosidade e o incômodo.

Esse arranjo, contudo, começa a se deslocar. A emergência dos BRICS e a ampliação de uma agenda multipolar têm desafiado a lógica unipolar de poder estruturada no pós-Segunda Guerra. A ascensão de atores como China, Índia, África do Sul e Brasil, ainda que marcada por assimetrias, amplia as possibilidades de visibilidade e interlocução em nível global: pelas redes, pelos noticiários, pelas práticas ordinárias de sociabilidade. Um indicativo recente dessa virada é o relatório Democracy Perception Index 2025 (Nira Data, 2025), que apontou que a China superou os Estados Unidos em termos de percepção global positiva em 76 dos 96 países pesquisados. Um contraste expressivo com anos anteriores, onde os EUA mantinham vantagem na opinião pública internacional. Esse processo, porém, não implica uma nova harmonia global. Não se trata da “aldeia global” imaginada nos anos 1990[4], mas de um reordenamento incerto, uma transição em disputa. O que se redesenha, em parte, são os próprios fundamentos do debate político: o papel do Estado, os limites da liberdade, os modos de gestão da diferença. Princípios antes descartados como “não modernos” ou “não universais”, sobretudo no que diz respeito a temas relacionados a identidades, etnicidade e desenvolvimento, emergem hoje como alternativas em negociação. Não como soluções acabadas, mas como sinais de um deslocamento em curso. No entanto, até que ponto essas transformações globais afetam, de fato, a vida cotidiana? Elas alteram as dinâmicas internas de poder em temas como raça, gênero ou a situação dos povos autóctones brasileiros? A pergunta é menos um ponto de chegada e mais uma provocação analítica que, ao menos momentaneamente, nos obriga a sair da bolha de isolamento com que muitas vezes operamos.

Do ponto de vista antropológico, as relações entre o plano geopolítico e a vida ordinária não podem ser reduzidas a abstrações. Decisões internas de governo, desde alianças econômicas até posicionamentos em fóruns multilaterais, são atravessadas por disputas mais amplas, e o inverso também ocorre. A figura do governante, seu partido e as redes simbólicas com as quais se alinha, se tornam vetores dessas trocas. Isso se reflete, por exemplo, na política ambiental: a depender das pressões internacionais e dos acordos firmados, decisões locais sobre preservação ou exploração territorial podem se alterar, com impactos diretos sobre empresas, trabalhadores e populações indígenas[5]. Não é incomum que lideranças indígenas brasileiras participem de conferências internacionais, como a Conferência das Partes (COP)[6], para reivindicar visibilidade e defesa de direitos frente a essas decisões[7].

A dimensão cotidiana da política internacional também se expressa fora das instituições. Por meio das redes sociais, disputas antes circunscritas ao plano técnico ou diplomático tornam-se conteúdo viralizado. Ainda que os noticiários tradicionais sigam com seu tom burocrático, plataformas como TikTok, YouTube e X (antigo Twitter) transformaram o engajamento político em experiência intermitente, repleta de sobreposições entre informação, opinião e entretenimento. Entre memes, vídeos de opinião e comentários virais, múltiplos modos de se apropriar (e distorcer) debates internacionais coexistem. A geopolítica, nesse ambiente, deixa de ser monopólio de especialistas e o objetivo de estudo, lembrando Marcus, precisa ser observado por uma etnografia de conexões, em que a narrativa é construída entre escalas micro e macro, sem se fixar em nenhuma delas (Marcus, 1998, p. 50).

É por esses caminhos nem sempre visíveis que as dinâmicas globais atravessam o cotidiano. Elas tensionam as certezas, reconfiguram nossas percepções e esbarram em debates que, até pouco tempo, pareciam restritos a especialistas. Mesmo que os algoritmos reforcem bolhas digitais, a experiência cotidiana mostra que tais barreiras podem ser rompidas. O simples fato de o bloco dos BRICS existir, atuando como um contraponto à ordem normativa global, já representa uma disrupção simbólica. A criação de instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento e a proposta de uma moeda comum, representam esforços para reduzir a dependência de estruturas financeiras ocidentais (Patrick, 2024). E, quando a China ocupa posição central nesse arranjo, os efeitos tendem a ser ainda mais intensos: trata-se de uma presença incômoda para alguns, desafiadora para outros, mas cada vez mais incontornável.

O incômodo não se deve apenas à sua inserção estratégica nos BRICS, mas também à sua trajetória histórica singular. Estamos falando de um Estado que passou por guerras civis, revoluções e reorganizações dinásticas, e que, no século XX, se consolidou como república socialista governada por um partido comunista[8]. Desde então, tem mantido certos princípios de organização política e social que divergem da matriz liberal ocidental, o que a torna objeto recorrente de curiosidade e controvérsia. Não por ser “modelo”, mas por persistir como exceção que resiste à assimilação total.

Mas talvez o que mais interesse, do ponto de vista antropológico, não esteja nos macro indicadores ou nas estruturas estatais. Está nas formas ordinárias da vida em trânsito: nas práticas cotidianas compartilhadas, nos valores que orientam relações e vão sendo ressignificados ou mantidos, definindo expectativas de unidade social e formas de diferença. É nesses detalhes que a antropologia pode operar com maior precisão. E é ali que se esboça, em certos contextos, uma lógica distinta de convivência social, que desafia categorias que naturalizamos como universais.

Isso não significa, porém, que a China seja homogênea. Trata-se de um país de dimensões continentais, com 56 grupos étnicos oficialmente reconhecidos, regiões autônomas extensas e uma diversidade linguística que transborda os limites do mandarim padrão. As minorias étnicas representam cerca de 8,89% da população e estão distribuídas por todo o território chinês, com concentrações significativas em regiões autônomas como Xinjiang e Tibete. Cada grupo possui línguas, hábitos e tradições distintas. Embora o mandarim seja a língua oficial e mais amplamente falada na China, existem centenas de outras línguas utilizadas pelos diferentes grupos étnicos. Mesmo nas regiões majoritariamente Han, idiomas locais nem sempre vinculados a distinções étnicas, seguem vivos, inclusive em grandes centros cosmopolitas como Shanghai. Essa diversidade linguística reflete a complexidade cultural e histórica do país. As diferenças entre o Norte e o Sul, entre o interior e metrópoles, ou entre Hong Kong, Taiwan, Macau e a “China continental”, são não apenas visíveis, mas mobilizadas ativamente por seus habitantes como marcadores de identidade. Ainda assim, há discursos que insistem num pertencimento coletivo à condição de “ser chinês” — que podem soar como nacionalismo a observadores externos, mas que, de dentro, assumem contornos de pacto simbólico plural, continuamente negociado.

Essa ideia de coesão, longe de ser natural, está ancorada em matrizes de pensamento que também são objeto de disputa. Correntes como o confucionismo, ainda que reformuladas ao longo dos séculos, seguem sendo evocadas em discursos públicos e debates intelectuais. Nelas, a ideia de harmonia relacional e integração das diferenças em torno de um centro político é articulada como proposta de estabilidade social[9]. Tais concepções, sobretudo no início do século XX, foram retomadas por certos setores como base para pensar alternativas à crise imperial e às pressões externas.

Falar sobre o que está naturalizado nas sociedades ocidentais tornou-se, para muitos debates nas ciências sociais, quase um gesto inaugural. As lutas sociais contemporâneas — negras, indígenas, feministas, LGBTQIA+ — vêm tensionando formas históricas de subalternização baseadas em raça, gênero e classe. Mas haveria outras naturalizações operando mais silenciosamente? E se algumas delas estivessem justamente nas formas como compreendemos ideias como pessoa, grupo, diferença, Estado, sociedade?[10]

Essas categorias moldam não só nossas expectativas sobre o mundo social, mas também o modo como lemos contextos que nos escapam. Seriam elas suficientes para interpretar realidades organizadas por lógicas distintas? Ou seriam, justamente, o limite da nossa compreensão? A relação entre indivíduo e coletivo, por exemplo, aparece como algo dado, quando, talvez, seja ela própria um efeito histórico, situado, que orienta desde as políticas públicas até a gramática das relações cotidianos[11].

Diante disso, o trabalho antropológico talvez possa ganhar densidade ao reconhecer os contornos do próprio olhar. Em vez de operar como um decodificador do Outro, que tipo de perguntas se tornam possíveis quando nos voltamos também para as condições que moldam as nossas próprias categorias? Como reagem certos modelos analíticos quando confrontados por formas de vida que não se encaixam neles com facilidade? No caso da China, essas provocações não se encerram em respostas. Talvez comecem, justamente, onde nossos modelos começam a falhar.

A redução do orgulho chinês a um suposto nacionalismo nos moldes ocidentais é, nesse sentido, uma operação analítica preguiçosa que ignora a complexidade das formas locais de produzir identidade, pertencimento e coesão. Mais do que diferenciar categorias prévias, talvez seja necessário admitir que os próprios esquemas classificatórios variam historicamente — inclusive no modo de pensar a relação entre coletividade e pessoa.

Como mencionado anteriormente, a China — inserida num contexto asiático em que a ideia de sociedade tende a estar associada a formas mais ou menos explícitas de coletividade — adquire um papel singular. Seja por sua ascensão como ator global, seja por seu histórico de relativo isolamento durante boa parte do século XX, a China retardou, de maneira estratégica ou contingente, a absorção dos sentidos normativos ocidentais. Essa especificidade permitiu que se preservassem certas dinâmicas internas, inclusive concepções de unidade e soberania que não operam segundo o léxico liberal.

Nesse percurso, o foco na primeira metade do século XX adquire relevância particular. Trata-se de um período marcado por intensas transições — do colapso do império às disputas entre diferentes projetos republicanos, passando por invasões estrangeiras, conflitos étnicos e guerras civis. Essas transformações não apenas reconfiguraram as instituições políticas, mas também desafiaram os sentidos locais de pertencimento e coesão. Observar como, mesmo nesse cenário instável, certas formas de articulação entre indivíduo e coletivo se mantiveram ou foram reinventadas, permite questionar leituras que atribuem exclusivamente ao socialismo contemporâneo a configuração da sociedade chinesa atual[12]. Mais do que encontrar uma origem estável, o que se busca é compreender como diferentes camadas históricas se imbricam para produzir, ainda hoje, formas de organização social que escapam à matriz liberal. Essa abordagem não pretende definir um modelo, mas provocar a pergunta: até que ponto o presente pode ser lido sem escavar as camadas mais fundas de sua formação?

Naquele contexto, já era possível identificar, entre intelectuais chineses, a defesa de formas coletivas de organização social — não como rejeição cega ao Ocidente, mas como tentativa de responder às pressões externas com instrumentos próprios. Essas disputas conceituais não ficaram apenas no plano abstrato: atravessaram o campo político, moldaram posicionamentos ideológicos e apareceram, de forma expressiva, no cinema produzido na época[13]. O individualismo liberal, com seus vínculos ao capitalismo, estava presente — mas também estavam as vozes que, conhecendo bem as teorias políticas ocidentais, sustentavam a necessidade de caminhos locais, capazes de refletir o ethos chinês e suas tradições de coesão em meio à diferença[14]. O nacionalismo, nesse contexto, operava menos como exclusão do Outro e mais como estratégia de integração.

Se compararmos esse cenário com o Brasil do século XIX, certas diferenças se tornam evidentes. O liberalismo, com sua ênfase no indivíduo como unidade autônoma, foi incorporado como modelo de modernidade sem que suas premissas fossem amplamente problematizadas. No contexto brasileiro, esse modelo carregava pressupostos raciais profundamente enraizados, que sustentaram a permanência de uma hierarquia social colonial. A miscigenação, por exemplo, era frequentemente interpretada como sinal de degeneração, e não como expressão de diversidade, funcionando como justificativa para a inferiorização da população brasileira frente aos padrões europeus da época.[15].

Enquanto a China viveu episódios de ruptura — como a queda do império em 1911 e a revolução socialista de 1949 — que reconfiguraram seus referenciais nacionais e buscaram construir um Estado forte, ainda que atravessado por tensões internas, o Brasil passou do império à república sem ruptura efetiva com as elites herdeiras do sistema colonial. As estruturas de poder se mantiveram, apenas adaptadas a uma nova gramática institucional, que seguiu excluindo sistematicamente populações indígenas, negras e camadas populares.

Na formulação elitista do “país legal”, pautado no liberalismo anglo-saxão, o chamado “povo-massa” — marcado por formas coletivas de organização classificadas como “solidariedade de clã” — era visto como incapaz de autogoverno, dado seu suposto déficit civilizacional ibérico. A consequência foi a adoção de um liberalismo contraditório, moldado por estruturas latifundiárias e relações de dependência pessoal, operando como mecanismo de controle social sob um Estado centralizado e autoritário, ainda que travestido de modernização (Gileno, 2019, pp. 139, 146, 147 e 148)[16].  

Nesse sentido, enquanto o Estado chinês se formou a partir de tradições imperiais marcadas pela administração da diversidade[17] e pela manutenção da coesão coletiva — mesmo sob intensas disputas —, a constituição do Estado moderno brasileiro foi guiada por um projeto de exclusão, que ignorava os modos de vida não individualistas dos diversos grupos que compunham o país. Povos originários, negros recém-libertos e camadas populares foram mantidos à margem do ideário nacional, cuja identidade moderna se estruturou como projeto de dominação, sustentado pelo discurso racial da miscigenação como símbolo de atraso. A comparação entre os dois processos evidencia marcas persistentes nos modelos estatais de cada país, e reforça a relevância de voltar àquele período de reconfiguração para compreender certos impasses do presente.  

Nada disso implica, contudo, na ideia de que a China ofereça um modelo a ser replicado. Tampouco seria adequado entender o coletivismo chinês como uma forma harmônica isenta de conflitos. Ao contrário: o país convive, historicamente, com tensões internas, disputas regionais, reorganizações sucessivas e projetos concorrentes. A leitura de que coletividades organizadas em torno de um horizonte comum operariam sem agência ou dissenso simplifica a complexidade histórica envolvida. Ao longo do tempo, a história chinesa tem sido atravessada por revoltas, mudanças dinásticas, resistências locais e reconfigurações entre atores diversos. O que parece persistir, apesar das fraturas, é uma ênfase na manutenção da coesão — não como dado natural, mas como projeto político e simbólico constantemente renegociado.

Essa ideia de coesão não é nova, tampouco unívoca. Já em uma das narrativas fundadoras da civilização chinesa — a história de Yu, o Grande — aparece a noção de que apenas a integração das diferenças sob uma coordenação comum permitiria enfrentar os desastres naturais (Yang et al., 2005, pp. 127–128; 237–238). Ao longo dos séculos, esse imaginário foi reinterpretado por diversas escolas filosóficas, como o confucionismo e o taoismo, que formularam concepções distintas sobre como ordem, harmonia e diversidade poderiam se articular. Essas formulações, ainda que transformadas ao longo do tempo, continuam a oferecer gramáticas relevantes para os debates políticos e sociais — tanto no século XIX quanto nos dias de hoje. Mais do que heranças fixas, elas funcionam como matrizes em disputa, pelas quais se constrói uma noção de pertencimento coletivo que reconhece a diferença sem necessariamente dissolvê-la. Trata-se, portanto, de um processo histórico de reinvenção contínua — não de uma essência cultural, nem de uma tradição imune ao tempo.

O que torna a China especialmente instigante, para contextos como o brasileiro, talvez não seja uma suposta excepcionalidade, mas a maneira como sua trajetória tensiona pressupostos que naturalizamos em nossas próprias formas de organização social. Seria possível imaginar outras articulações entre Estado, coletivo e indivíduo? Em que medida nossas ideias de cidadania, justiça ou pertencimento são realmente inclusivas — ou apenas atualizam exclusões sob novas roupagens? Ao observarmos a escolha chinesa, em diferentes momentos históricos, de negociar com a ordem global sem abdicar de princípios internos de coesão, seríamos levados a perguntar: o que essa persistência nos revela sobre as concessões que fizemos — ou fomos levados a fazer — em nome da modernização?

A ascensão da China como potência global não causa inquietação apenas por seus índices econômicos ou tecnológicos. O incômodo talvez venha do fato de que tal projeção foi construída com base em estruturas que desafiam o paradigma liberal-individualista hegemônico. Como lidar, conceitualmente, com uma sociedade que articula coletividade e autonomia individual de forma distinta da matriz ocidental? O que significa reconhecer que os pilares do “nosso” mundo moderno — mercado livre, democracia liberal, atomização identitária — não são os únicos possíveis?

Diante disso, estudar a China não é buscar um espelho nem um antídoto. Tampouco se trata de deslocar o erro do passado — a idealização de povos “tradicionais” — para uma nova figura, agora investida de potência tecnológica. A China não é o “Outro” redentor. É uma sociedade vasta, internamente diversa, marcada por disputas, desigualdades e contradições. É também uma civilização que resistiu à fragmentação imposta por potências coloniais e que hoje projeta influência simbólica, econômica e geopolítica com gramáticas próprias — algumas legíveis por nossos referenciais, outras não. Como captar essas gramáticas sem reduzi-las a nossas categorias? Que tipo de escuta a antropologia pode oferecer nesse contexto?

É claro que a China não detém o monopólio das alternativas. O tensionamento com o individualismo como paradigma universal está presente em muitos outros contextos — de aldeias indígenas a bairros periféricos, de comunidades quilombolas à sociabilidades tradicionais em países africanos. Mas talvez o caso chinês, pela escala que alcançou e pela tensão que provoca, funcione como um ponto de inflexão: um convite a reexaminar os fundamentos do que entendemos como sociedade moderna. Por ora, o que importa é situar o gesto analítico: não se trata de tomar partido, propor modelos ou defender exceções. Trata-se de interrogar o que nos foi ensinado como norma — e considerar que talvez os caminhos que seguimos não sejam os únicos. Que sejam históricos, situados e construídos e, justamente por isso, sujeitos a reconstrução.


Cinema: quem controla a imagem, controla o possível?

Para compreender as formas de coletividade que ainda hoje estruturam a vida cotidiana na China, é necessário retornar ao início do século XX e observar como, naquele momento de transição, marcado por intensos conflitos sociais e políticos, se disputavam sentidos fundantes da modernidade chinesa — como diversidade étnico-racial (num contexto em que a noção de raça ganhava centralidade nos projetos estatais de modernização)[18], governo, Estado, república — e, sobretudo, o ideal para uma China republicana. O final do século XIX e início do XX redefiniu estruturas geopolíticas, moldou instituições em diversas partes do mundo, estabelecendo gramáticas que, até hoje, orientam as relações sociais e políticas[19].

Tal como o Brasil, que nesse período transitava do regime escravocrata para a república, e experimentava os efeitos dessa transição na forma como lidava com as relações étnico-raciais e na constituição de suas instituições estatais, a China passou por reconfigurações profundas. A forma como o Estado chinês se consolidou após a revolução socialista de 1949 — e como vem processando suas tensões internas desde então — está enraizada nos debates, impasses e projetos em disputa na primeira metade do século XX. Para compreender o presente chinês, é relevante, portanto, recuar àquele período: não para buscar origens fixas, mas para explorar o que foi tensionado, mantido, transformado. A adoção do socialismo com características chinesas[20], por exemplo, não pode ser dissociada das negociações históricas travadas naquele momento.

Esse retorno histórico não visa ignorar os processos sociais e políticos das décadas seguintes, tampouco supõe que o passado determina de forma unívoca o presente. Trata-se de reconhecer que a transformação social entre gerações implica que elementos podem ser negados, recuperados ou ressignificados, compondo formas contemporâneas de vida que carregam elementos do que foi anteriormente disputado[21]. Nesse sentido, a primeira metade do século XX na China não apenas expôs conflitos entre modelos societários em disputa, mas também produziu narrativas que buscavam definir quais valores deveriam ser preservados ou construídos para o futuro, tal como hoje constantemente se aciona o passado para significar o presente.

Do ponto de vista imagético, esse período foi especialmente fértil. A introdução da tecnologia cinematográfica — ocidental, mas logo reinterpretada localmente — coincidiu com as invasões estrangeiras e com o declínio do regime imperial. O cinema, nesse cenário, não foi apenas meio de entretenimento, tampouco simples reprodutor de padrões narrativos ocidentais. Desde o início, houve diálogo com formas tradicionais de expressão artística, como o teatro de sombras e a ópera chinesa.

Entre as décadas de 1920 e 1940, em meio ao pós-revolução republicana e à intensificação de conflitos internos e externos, o cinema consolidou-se como espaço estratégico de elaboração simbólica. Em cidades como Shanghai, a indústria cinematográfica tornou-se um espelho fragmentado e em disputa, das tensões sociais. Intelectuais, artistas e militantes mobilizavam elementos do imaginário coletivo e produziam novas formas de representar a sociedade. As obras dramatizavam os impasses do tempo: relações entre campo e cidade, tradição e modernidade, nacional e estrangeiro, e, sobretudo, entre indivíduo e coletivo[22]. Tais tensões apareciam nas tramas aparentemente banais, mas permeadas por visões de mundo em disputa[23].

Estudar o cinema chinês da primeira metade do século XX não é apenas examinar o surgimento de uma indústria cultural em consolidação[24]. É mergulhar num período em que a arte fílmica foi atravessada por disputas políticas, censuras estatais, mobilizações ideológicas e tentativas de reinscrever o coletivo como horizonte simbólico e ético. Os filmes desse período, produzidos entre 1905 e 1949, não operavam apenas como entretenimento: articulavam respostas às tensões de um país em crise e negociavam publicamente o que significava pertencer à China.

Nesse contexto, diversos eventos políticos e sociais moldaram o cenário cultural e cinematográfico, tais como:

  1. 1842: Criação das concessões estrangeiras em cidades como Shanghai e Tianjin, após as Guerras do Ópio (1839–1842; 1856–1860), como resultado dos chamados Tratados Desiguais, estabelecendo enclaves sob controle de potências ocidentais[25].
  2. 1895: Tratado de Shimonoseki, encerrando a Primeira Guerra Sino-Japonesa, resultando na cessão de Taiwan ao Japão e marcando o início de uma série de humilhações nacionais[26].
  3. 1911: Revolução Xinhai, que derrubou a dinastia Qing e estabeleceu a República da China, encerrando mais de dois mil anos de governo imperial[27].
  4. 1919: Movimento Quatro de Maio, uma série de protestos estudantis contra o Tratado de Versalhes, que catalisou reformas culturais e políticas, promovendo o nacionalismo e a modernização[28].
  5. 1921: Fundação do Partido Comunista Chinês, influenciado por ideais marxistas e pelo descontentamento com o governo nacionalista[29].
  6. 1927: Massacre de Shanghai, onde o líder nacionalista Chiang Kai-shek reprimiu violentamente os comunistas, encerrando a aliança entre o Kuomintang e o Partido Comunista[30].
  7.   1931: Invasão japonesa da Manchúria, estabelecendo o estado fantoche de Manchukuo e intensificando o sentimento nacionalista chinês[31].
  8. 1937: Início da Segunda Guerra Sino-Japonesa, com a invasão em larga escala da China pelo Japão, resultando em ocupações e atrocidades como o Massacre de Nanquim[32].
  9. 1945: Fim da Segunda Guerra Mundial, com a rendição do Japão e a retomada de territórios chineses anteriormente ocupados[33].
  10. 1949: Proclamação da República Popular da China, após a vitória comunista na guerra civil, marcando o início de uma nova era política e cultural[34].

Desde as primeiras décadas do século XX, a tecnologia cinematográfica foi apropriada na China em diálogo com expressões artísticas tradicionais, como o teatro de sombras, e os primeiros filmes, como Dingjun Mountain (1905, em Beijing), Right a Wrong with Earthenware Dish (1909) e Stealing a Roasted Duck (1909), ambos produzidos em Hong Kong — já refletiam o esforço de adaptar uma linguagem estrangeira a partir de códigos e sensibilidades locais (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 5). Logo depois, o cinema passou a reagir aos eventos políticos mais imediatos: documentários como The Wuhan Battle e The Shanghai Battle (c. 1911–1912) (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 145) mostravam conflitos armados; além de filmes como Secret Told at Last (1922) e Umbrella of Patriotism (1923) exaltavam o sacrifício individual em nome da coletividade nacional[35].

Durante o período conhecido como Década de Nanquim (1927–1937), o Kuomintang (KMT) utilizou o cinema como ferramenta de construção nacional[36], promovendo o mandarim como língua padrão e limitando a produção audiovisual em idiomas locais, considerados obstáculos ao projeto de homogeneização — vistos como ameaças potenciais[37]. A diversidade linguística, muitas vezes relacionada a especificidades regionais ou étnicas, foi suprimida em favor de um léxico nacionalista que associava unidade cultural à força militar e resistência civilizacional, fomentando censura a alguns gêneros como o wuxia, centrado em histórias de artes marciais e universos fantásticos, que foram sistematicamente proibidos por supostamente disseminarem superstição e escapismo (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 8). A tentativa de construir um cinema moralizante e “educativo” resultou em marginalizações deliberadas de formas culturais que não se alinhavam ao projeto nacionalista do Estado.

A década de 1930, porém, marcou a maturação do cinema como campo de disputa ideológica. Cineastas vinculados à esquerda, como os envolvidos em Twenty-Four Hours in Shanghai (1933)[38], Wild Torrents (1933)[39], Big Road (1930)[40] e New Woman (1934)[41], exploraram injustiças sociais, denunciaram desigualdades de classe e propuseram solidariedades alternativas. A coletividade aparece aqui como gesto de resistência, seja entre trabalhadores (em Big Road), seja em melodramas familiares como Spring River Flows East (1947)[42], onde o desmoronamento da família espelha a fragmentação do país. Filmes como Goddess (1934) [43] e Street Angel (1937)[44], (figura 1), articulam, simultaneamente, dramas pessoais e diagnósticos sociais, propondo que a individualidade só pode ser compreendida dentro de uma teia social densa. 

Modernidade e imaginação coletiva no cinema chinês na primeira metade do século XX: disputas simbólicas e construção de pertencimentos. Nino Rhamos

Figura 1. Street Angel (1937)

Durante a invasão japonesa, filmes como Storm on the Border (1940), Protect Our Land (1938), Children of China (1939)[45], Behind the Shanghai Battlefront (1938)[46] e Daughters of China (1949)[47] ativaram o patriotismo através de narrativas de resistência[48]. A oposição ao estrangeiro aparece em registros diretos (Eternal Fame, 1943)[49] e em críticas simbólicas ao imperialismo cultural (Big Road, Street Angel)[50]. Ao mesmo tempo, filmes como Song of China (1935)[51] e Myriad of Lights (1948)[52] promoveram valores familiares e rurais como um tipo de “antídoto” à desagregação social trazida pela modernização forçada e pela guerra.

No campo estético, esse cinema dialogou com formas narrativas ocidentais, mas sem submeter-se a elas. Realismo, melodrama e serialismo (produção de filmes em série) foram adotados, mas redirecionados para sensibilidades locais[53]. Goddess, por exemplo, é frequentemente comparado ao realismo europeu (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 178). Eight Thousand Li of Cloud and Moon (1947) um exemplo do melodrama político como gênero presente (Y. Zhang, 2004, p. 100)  e The Watch (1949)[54], comparado com o neorrealismo especificamente italiano. Contudo, o uso da célula familiar como metáfora da nação é exemplificado em cenas como a reunião à beira do leito em Spring in a Small Town (Figura 2), onde o lar se torna microcosmo da crise coletiva. Essa perspectiva marca uma diferença nas produções ao deslocar o drama familiar para o campo das tensões nacionais[55]. O “indivíduo” nesses filmes é, quase sempre, tensionado por lealdades familiares, obrigações coletivas e expectativas do Estado.

Essa complexidade também se refletia nas estruturas de produção. Produtoras como a Mingxing, Lianhua e Tianyi eram lideradas por empresários e intelectuais chineses como Zhang Shichuan, Zheng Zhengqiu e os irmãos Shaw (Pickowicz, 2012, p. 57; Y. Zhang & Xiao, 2002, pp. 10, 13), que buscavam construir um cinema nacional frente à concorrência estrangeira. O apoio governamental do KMT nos anos 40 (com estúdios como Zhongdian e Zhongzhi) e os estúdios controlados pelos japoneses durante a ocupação (Man’ei, Zhonglian)[56] evidenciam como o cinema era percebido como arena estratégica (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 18). No pós-guerra, iniciativas como a Kunlun e a Wenhua[57] continuaram a disputar o imaginário coletivo por meio de filmes como Crows and Sparrows (1949)[58] e Spring in a Small Town (1948)[59].

Modernidade e imaginação coletiva no cinema chinês na primeira metade do século XX: disputas simbólicas e construção de pertencimentos. Nino Rhamos

Figura 2. Spring in a Small Town (1948).

Esses filmes dialogavam com a longa tradição histórica da China, que há séculos documenta sua trajetória e constrói, a partir dela, sentidos para o presente. O desafio estava em articular esse legado a teorias ocidentais sobre sociedade e Estado, num momento em que a pressão externa exigia que a China se apresentasse ao mundo como moderna, mas sem submeter-se a paradigmas externos, por questões ideológicas, mas também por sentidos compartilhados, historicamente disputados, sobre Estado e coletivo. A modernização, nesse caso, era resposta à ameaça de fragmentação colonial, não um gesto de assimilação.

Famílias afetadas pela guerra, trabalhadores urbanos marginalizados e personagens femininas compunham os núcleos centrais das narrativas desde os primeiros filmes  (Zhen, 2002, p. 505). A noção de como deveria “parecer” uma mulher chinesa moderna — em aparência, conduta e papel social — era constantemente tensionada, pois se articulava a debates sobre tradição[60], ocidentalização e a construção do Estado nação (Berry & Farquhar, 2006, p. 12).

No período que ficou conhecido como a “idade de ouro”[61] do cinema chinês — especialmente nas décadas de 1930 e 1940 —, com filmes como: Big Road, Tomboy, Street Angel, and Crossroads, a figura da mulher se tornou um veículo central para a crítica social, muitas vezes representando as aflições do país. Como já mencionado, os filmes frequentemente apresentavam “famílias divididas” e lares que simbolizavam a nação dividida pela guerra, pelo imperialismo, por disputas de classe e gênero. Nesse sentido, o melodrama muitas vezes estava focado nas questões familiares onde o sofrimento feminino acabava sendo compreendido como um reflexo da turbulência social (Berry & Farquhar, 2006, p. 82).

Na China pré-1949, famílias já haviam sido representadas em Orphan Rescues Grandfather (1923) e sua fragmentação simbolizando a situação do país em Tomboy (1936) e Street Angel (1937). O recurso associativo continuou se repetindo como uma espécie de microcosmo da nação em Spring in a Small Town (1948)[62]. Tais aspectos eram encontrados em contextos tanto conservadores quanto esquerdistas (Berry & Farquhar, 2006, p. 13). Porém as leituras das relações de gênero e familiares eram diferentes. A mulher “progressista” promovida pelo cinema de esquerda a partir de 1930 se diferenciava da mulher burguesa, comumente associada à vida urbana de Shanghai e ao consumismo, frequentemente retratada com apelo sexual e conotações negativas, vista como decadente ou egoísta em comparação com os ideais revolucionários. A figura da prostituta ou cortesã também surgia simbolizando certos valores culturais ou ideológicos (Y. Zhang, 2004, p. 83). Os filmes exploravam a tensão entre a moralidade tradicional e a emergência dessas “novas mulheres” (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 163). No entanto, é importante mencionar que as representações femininas, de modo geral, faziam parte de uma linguagem cinematográfica que em geral tensionava normas estabelecidas, propondo vínculos alternativos e dramatizando possibilidades de futuro. O cinema de esquerda, ao promover a figura da “mulher progressista”, buscava romper com o engessamento dos papéis de gênero, mas isso não implica que o cinema nacionalista apresentasse uma leitura necessariamente confuciana. Os papéis de gênero veiculados por essa vertente já estavam atravessados por debates contemporâneos, e a suposição de que concepções confucianas seriam, por definição, conservadoras exige uma análise mais detida sobre os modos como tais concepções eram mobilizadas no período.

Portanto, como argumenta Y. Zhang, p. (2004, p. 58), o cinema das décadas de 1930 e 1949, em geral, funcionava como arena estética para os problemas políticos. Nesse sentido, o coletivo poderia até ser representado sem apagar o drama individual, mas os eventos políticos eram tantos que se impunha uma narrativa centrada na coletividade, marcando uma diferença significativa das formas narrativas ocidentais onde a ênfase costuma estar na conquista individual. Assim, esse deslocamento narrativo exercido para o coletivo, não era um traço puramente estilístico, mas resposta às exigências históricas de um país constantemente ameaçado, que buscava respostas institucionais contra as invasões estrangeiras, soluções entre as disputas partidárias e uma necessidade de manter coeso os vários grupos — étnicos, rurais, gênero e classe. Uma característica, no entanto, que não surgiu naquele momento, pois o coletivo ameaçado representava o imaginário de uma China do passado que sempre fora coesa, mesmo que em meio a conflitos internos. Portanto, naquele momento, diante das ameaças externas e dos impasses internos, a coesão coletiva se transformara em um imperativo histórico[63].

É importante ressaltar que, embora abordassem o contexto nacional, as produções estavam concentradas nos centros urbanos, oferecendo, portanto, um recorte específico da experiência chinesa. Em termos de representação das minorias étnicas, não se consolidou um “cinema étnico” como gênero propriamente dito, e os filmes raramente tematizavam populações não-Han. Quando o faziam, privilegiavam narrativas de solidariedade interétnica, em que as diferenças serviam menos para destacar alteridades e mais como pano de fundo para performances de unidade diante de ameaças externas. Storm on the Border (1940) (Figura 3) é um exemplo emblemático: ambientado na fronteira mongol durante a guerra sino-japonesa, narra a cooperação entre jovens Han e mongóis contra espiões japoneses, enfatizando a superação das tensões étnicas em nome de uma nação unificada (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 319).

Modernidade e imaginação coletiva no cinema chinês na primeira metade do século XX: disputas simbólicas e construção de pertencimentos. Nino Rhamos 

Figura 3. Storm on the Border (1940)

O cinema de esquerda, vinculado a círculos comunistas e crítico ao governo, manteve a ênfase na unidade nacional — ainda que sob uma ideologia distinta daquela defendida pelo nacionalismo do KMT. Ambos operavam com representações diferentes do coletivo, mas partiam do mesmo pressuposto de coesão. Enquanto alguns filmes eram censurados pelo governo e as minorias étnicas obrigadas a ocultarem seus idiomas, nos filmes de esquerda a etnia era deslocada para a classe, articulando uma retórica de salvação frente ao imperialismo estrangeiro. As diferenças internas não desapareciam, mas eram absorvidas por um vocabulário de solidariedade ampliada, no qual a figura do Outro era, predominantemente, o invasor ocidental, o japonês ou o explorador doméstico, mas não as minorias étnicas. O dissenso étnico, quando reconhecido, tornava-se funcional à narrativa da união necessária. Essa assimilação pode ser lida como parte de um nacionalismo articulado pela noção de minzu, onde a diferença é absorvida por uma lógica ampliada de pertencimento, sem negação explícita à diferença, tampouco discursos diretos de preconceito ou discriminação.

A partir do pós-1949, o conceito de “nação” (minzu 民族), antes mais fluido, passa a se articular mais rigidamente em termos de Estado-nação (guojia 国家), em um sentido mais ocidental[64], com o Estado socialista promovendo institucionalmente a etnia como categoria-chave de identificação. Isso resultou na consolidação do cinema étnico (shaoshu minzu pian) como gênero próprio sobre as minorias, plenamente instituído nos anos 1950, quando o Partido Comunista assumiu o controle da indústria cinematográfica. O discurso oficial buscava formar um novo imaginário nacional que reconhecesse as diferenças étnicas sob uma lógica pedagógica de integração. Entre 1949 e 1986, filmes protagonizados por minorias étnicas passaram a compor cerca de 6% da produção nacional. A ênfase na educação política e no progresso levou à sistemática omissão de elementos classificados como “resquícios feudais” (Berry & Farquhar, 2006, p. 181).

Nesse contexto, o que o cinema não mostra é tão revelador quanto o que ele explicita e pode ser interpretado não apenas como reflexo de um “espírito nacional”, mas como uma tecnologia estética de construção de vínculos em prol de um sentido compartilhado de unidade. Tal como propõe Alfred Gell (2018), ao compreender a arte como um sistema de agência distribuída, em que objetos e imagens ativam relações específicas. No caso do cinema chinês deste período, tais relações pareciam menos voltadas a representar a diversidade e mais a performar uma unidade imaginada, ainda que tais diferenças fossem articuladas de diferentes maneiras por ambas as vertentes, políticas.

A obra, portanto, é performada como imaginário do possível e por isso não corresponde, de imediato, às relações sociais fora da tela. Ainda assim, o filme, enquanto artefato com agência, atua sobre o social: seu sentido é negociado entre grupos de interesse, ao mesmo tempo que sua recepção sugere um lastro com formas já compartilhadas de imaginar o coletivo[65]. É nesse sentido que tais aspectos nos exige atenção não apenas ao que é dito e mostrado, mas ao que permanece ausente, em termos de construção de sentido imagético, assim como exige atenção a como esse filme é articulado dentro do círculo relacional.

A análise antropológica, ao se atentar para processos que escapam à lógica linear de causa e efeito, permite deslocar o foco da obra e de suas motivações políticas diretas — como a ideia de que determinado filme foi feito para influenciar a sociedade — para uma compreensão mais ampla das relações entre imaginário, criação e recepção. Ao observar as cenas, os cenários, os personagens e a narrativa, torna-se possível entender como o filme, enquanto artefato cultural, expressa sentidos já presentes no imaginário coletivo, ao mesmo tempo em que interfere nas negociações políticas em curso entre grupos sociais. Essa abordagem inclui também as políticas de censura — compreendidas não apenas como repressão, mas como expressão de outros imaginários em disputa —, as estratégias de veiculação e os possíveis impactos dessas obras, evidenciando formas específicas de expressão dos vínculos subjetivos entre identidades, bem como os sentidos objetivos que representam para o grupo. Elementos que, no caso da China socialista pós-1949, ganharam novas formulações simbólicas, mas continuaram ancorados em experiências anteriores, transformadas em material histórico. Isso porque, ao longo do tempo, os acontecimentos seguiram sendo sistematizados e documentados segundo uma lógica da sociedade chinesa que valoriza a historicidade dos processos e sua organização como base de sentido no presente. O cinema, inserido nessa dinâmica, participa dessa construção, impactando diretamente os sentidos compartilhados na contemporaneidade.


Considerações finais

Se o ponto de partida deste trabalho foi uma exposição dos fundamentos que fizeram nascer esta pesquisa — e se desdobrou na pergunta: “por que estudar a China hoje?” —, as análises aqui esboçadas sugerem que essa pergunta talvez não se restrinja apenas a uma curiosidade acadêmica ou a uma urgência geopolítica. Talvez ela acione, antes de tudo, diversas outras perguntas, ou mesmo uma crítica epistemológica.

Estudar a China — especialmente a partir de um campo como a antropologia — não nos exigiria reconsiderar os próprios alicerces do pensamento social ocidental? As noções de indivíduo, coletividade, Estado, modernidade e resistência, tantas vezes tratadas como universais, seriam de fato neutras, ou historicamente situadas, marcadas por contextos e interesses específicos? Diante desses questionamentos, a escolha de retornar à primeira metade do século XX — anterior à fundação da República Popular da China — não foi movida por um “fetiche sobre o passado”, mas pela hipótese de que aquele momento de disputas e instabilidade institucional poderia nos ajudar a tensionar as fórmulas hegemônicas de organização social que ainda operam no presente — inclusive as narrativas de que a China só é o que é devido ao marxismo. Como dito anteriormente, as teorias de Marx tiveram e têm importância fundamental na construção do Estado chinês moderno, mas certamente há elementos que o levaram a especificidades quando comparado às análises marxistas ocidentais — hoje condensadas na fórmula “marxismo com características chinesas”, frequentemente evocada por Xi Jinping. O cinema, portanto, como linguagem estética e performática, foi um meio potente de observar como as identidades foram articuladas, disputadas e omitidas. E como as tensões entre tradição e modernidade, etnicidade e nacionalismo foram resgatadas, encenadas e reconfiguradas no imaginário popular sob a necessidade de construção de um Estado moderno.

O que desponta desse percurso é a percepção de que a China, longe de representar uma exceção ou um espelho invertido do Ocidente, parece ter formulado caminhos próprios diante das pressões coloniais e imperiais, rearticulando teorias sociais ocidentais de modo a preservar aspectos relacionais anteriores à implementação dessas teorias. Mas o que esses caminhos nos dizem, afinal? São apenas desvios? São exceções à regra ocidental? Ou indícios de outra regra possível? Sua trajetória recente — especialmente a partir do final da década de 1970, com a abertura econômica — seria a prova de que é possível construir formas de organização social, econômica e simbólica nos próprios termos, mesmo sob forte vigilância e crítica internacional sobre seu modelo político e formas de participação popular? [66]

Se assim for, esse processo também nos força a uma outra pergunta: o que ocorre quando um país se apresenta como alternativa concreta à narrativa liberal ocidental, considerando que, durante praticamente todo o século XX, o modelo capitalista foi instituído como norma civilizatória, enquanto o socialismo, por sua vez, era frequentemente colocado como inimigo declarado da civilização?

A China, ao tensionar essa narrativa justamente por manter-se em seus próprios termos, perturba a estabilidade simbólica que sustenta, em grande parte, os países do Norte Global. Seria por isso que, diante de sua emergência como potência, tantas ideias tomadas como “comuns” no Ocidente — como “liberdade”, “democracia” ou “autoritarismo” — ganham novas densidades, ao se mostrarem insuficientes para descrever o contexto chinês? Mesmo frágeis do ponto de vista analítico, essas categorias seguem sendo acionadas com força nos debates públicos. E se existe hoje um país colocado como contraponto às concepções ocidentais, é a China. Essas ideias circulam nas redes sociais, nas análises acadêmicas, nas reportagens jornalísticas e nos discursos de Estado. E, ao fazê-lo, afetam políticas públicas, orientam decisões governamentais, definem inimigos e aliados geopolíticos, e configuram — ou reconfiguram — imaginários sobre o que seria uma “sociedade ideal”.

Portanto, diante desses questionamentos e do papel desempenhado pelas produções fílmicas discutidas neste trabalho, a pergunta que se impõe, nos termos desta pesquisa, é: que tipo de indivíduo é acionado nessas narrativas, em que o “nós” é reivindicado deliberadamente como instância relacional e política, e não como um dado cultural naturalizado? Ou seja, que figura individual se delineia em relação a um coletivo que não é um pressuposto essencial, mas que, no contexto chinês, é constantemente mobilizado enquanto legado histórico documentado e renegociado nos processos políticos contemporâneos? E, mais que isso: que efeitos essa figura, situada, relacional e politicamente construída, pode ter sobre nossos próprios modos de pensar a relação entre indivíduo e sociedade?


Notas

[1] Ver: Xondaro Guarani: arte marcial, performance e política (Figueiredo, 2024)

[2] Soft power é um conceito proposto por Joseph Nye para descrever formas de poder baseadas na capacidade de atrair e cooptar, em vez de coagir. Surge da atratividade através de elementos culturais, ideais políticos e das políticas de um país (Joseph s. Nye, 2004).

[3] A noção de “Oriente” como um espaço imaginado pelo Ocidente, foi criticamente examinada por Edward Said em sua análise sobre o orientalismo como construção discursiva (Said, 1979).

[4] Nos anos 1990, a noção de “aldeia global”, popularizada por Marshall McLuhan, ganhou nova força ao ser associada ao avanço da internet e à globalização econômica, sugerindo um mundo interconectado por valores comuns e crescente harmonia.

[5] Ver, por exemplo, o impacto dos compromissos assumidos no Acordo de Paris (2015) sobre a legislação ambiental brasileira, que impulsionaram a formulação de novas políticas públicas voltadas à preservação ambiental, afetando diretamente a atuação de grupos econômicos e as dinâmicas cotidianas de comunidades locais (Kässmayer & Neto, 2016, p. 25; Sampaio et al., 2022).

[6] A Conferência das Partes (COP) é o encontro anual dos representantes dos países e territórios que fazem parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

[7] Durante a COP 28, realizada em 2023, registrou-se a maior participação de povos indígenas da história das conferências do clima, evidenciando o protagonismo desses grupos na defesa de seus direitos em espaços multilaterais (Planalto, 2023, p. 25).

[8] Ver: Modern China. The Fall and Rise of a Great Power, 1850 to the Present (Fenby, 2008), sobre o panorama geral do colapso imperial à ascensão contemporânea; China’s last empire: the great Qing (Rowe, 2009), obra com foco na última dinastia imperial e China: Socialismo e desenvolvimento. Sete décadas depois (Jabbour, 2020), para uma análise crítica do desenvolvimento chinês recente.

[9] Michael Wood no livro História da China: o retrato de uma civilização e seu povo (2022, Chapter A Era Axial) menciona a proposta de Confúcio, formulada em meio à fragmentação política do período dos Estados Combatentes (c. 300 a.E.C.) de “trabalhar para a ‘grande unidade’”, vinculada a padrões de virtude e sabedoria. Ainda que sua filosofia operasse em termos de um ideal civilizacional — e não garantisse adesão plena dos governantes —, é relevante notar que o confucionismo foi constantemente mobilizado ao longo dos séculos. Seus princípios foram ressignificados, tensionados ou retomados, mas raramente esquecidos como modelo de ordem normativa, atravessando inclusive o período revolucionário de 1949 e chegando aos discursos contemporâneos. 

[10] Dipesh Chakrabarty, historiador indiano, problematiza a universalização das categorias ocidentais nas ciências sociais, particularmente em Provincializing Europe (2000). Para o autor, conceitos como Estado, sociedade civil, esfera pública, indivíduo e democracia são formações históricas situadas, oriundas da experiência europeia moderna, mas convertidas em padrões analíticos universais — muitas vezes inadequados para descrever outras trajetórias sociopolíticas.

[11] No contexto chinês, Marcel Granet, etnólogo e sinólogo francês, em Chinese Civilization (1958) observa que o coletivo, seja a família, o clã, o grupo feudal, a cidade, a confederação imperial ou a própria civilização, tende a preceder o indivíduo na organização das relações sociais e dos papéis simbólicos. A primazia do coletivo moldaria, assim, a identidade, a posição e a agência do sujeito, deslocando pressupostos liberais sobre autonomia e centralidade individual.

[12] Na virada do século XIX para o XX até 1949, valores coletivos ligados à centralidade política e à ideia de uma China unificada permaneceram presentes, sobretudo por meio da educação promovida pelo Partido Nacionalista (Kuomintang), utilizada como ferramenta estatal de integração e transformação social. No entanto, como a China passava por um processo de construção do Estado nos moldes ocidentais de Nação, tais valores foram transformados, articulando elementos clássicos do confucionismo com a ideologia nacionalista — ainda que hegemonicamente pautada por referências da etnia Han. Essa transformação, impulsionada por um sistema educacional muitas vezes limitado por entraves econômicos e logísticos, buscava fundar uma base de estabilidade social e unidade nacional em torno do centro político (Hansen, 1999, p. 11).

[13] A partir da década de 1930, o chamado Cinema de Esquerda, impulsionado por intelectuais e artistas próximos ao Partido Comunista Chinês (PCC), consolidou-se como forma de resistência simbólica, sobretudo após a ocupação da Manchúria pelo Japão em 1931 e o ataque a Shanghai em janeiro de 1932. A importância do cinema como instrumento coletivo de resistência era tal que a renomada Mingxing Film Company chegou a encorajar intelectuais de esquerda a enviarem roteiros (Pickowicz, 2012, p. 76). Ver também: China on Screen: Cinema and Nation (Berry & Farquhar, 2006) e Encyclopedia of Chinese Film (Y. Zhang & Xiao, 2002).

[14] De um lado, havia reformistas como Kang Youwei e Liang Qichao que, embora influenciados por ideias ocidentais, defendiam uma monarquia constitucional e reformas institucionais graduais. De outro, emergiam revolucionários como Sun Yat-sen, que propunham a derrubada do império e a fundação de uma república baseada nos “Três Princípios do Povo”: nacionalismo, democracia e bem-estar social. As disputas entre constitucionalistas e revolucionários marcaram o debate público do período (Wood, 2022, Capítulo: Pequim, dezembro de 1899).

[15] Segundo Lilia Moritz Schwarcz (1993), a ideia de mestiçagem era frequentemente acionada de forma negativa, reforçando um discurso liberal que extrapolava os círculos intelectuais e penetrava instituições como museus etnográficos, institutos históricos e geográficos, e faculdades de direito e medicina — nesta última, inclusive, associando a miscigenação à origem de diversas doenças. Ela observa que “no interior de tal contexto específico, será interessante indagar sobre a inserção e a recuperação dessas teorias raciais, e sobretudo sobre sua vigência contemporânea aos modelos liberais de atuação política e de concepção do Estado”. Schwarcz destaca o paradoxo entre liberalismo e fascismo: o primeiro, centrado no indivíduo e sua responsabilidade pessoal; o segundo, no grupo, entendido como expressão de uma estrutura biológica singular (1993, Capítulo: Introdução — O espetáculo da miscigenação).

[16] Ver também: Americanistas e iberistas: a polêmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos (Vianna, 1991)

[17] Durante a dinastia Tang (618-907 E.C.), o código legal incorporou artigos específicos para lidar com os grupos étnicos minoritários, permitindo que conflitos internos fossem resolvidos conforme os costumes locais, enquanto disputas entre etnias seguiam a legislação central. As autoridades adotavam práticas de governança autônoma ou semiautônoma e tratavam com clemência os líderes étnicos, como forma de apaziguamento e reconhecimento simbólico. O objetivo não era forçar a assimilação, mas garantir que os grupos reconhecessem o papel central do governo, promovendo integração política sem eliminar a diversidade cultural. Políticas similares foram mantidas pelas dinastias Song, Yuan, Ming e Qing (Q. Zhang, 2015, p. 128 e 129).

[18] O conceito de minzu (民族) foi central na construção do nacionalismo chinês no início do século XX, operando tanto nas disputas políticas quanto nas representações simbólicas da coletividade. (Y. Zhang, 1997, p. 77).

[19] Decadência dos impérios coloniais europeus: Um processo de descolonização que começou a tomar força, com algumas colônias declarando independência dos impérios europeus. Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Mudou fronteiras e levou à criação da Liga das Nações (primeira tentativa de criar uma organização internacional para manter a paz, precursora da ONU). Ascensão dos Estados Unidos e da União Soviética, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Movimentos de independência na Ásia e África, com países colonizados começaram a lutar pela independência, mudando o equilíbrio de poder global.

[20] A expressão “socialismo com características chinesas”, recorrente nas obras de Xi Jinping, enfatiza as especificidades históricas, culturais e institucionais da China na adoção do socialismo. Longe de ser apenas um adjetivo retórico, o termo indica uma diferenciação profunda em relação a vertentes marxistas que desconsideram os legados socioculturais. Mesmo adotando categorias semelhantes, essas vertentes operam com sentidos relacionais distintos e produzem efeitos concretos divergentes. Ver: La gobernación y administración de China. Vol. 1 (Jinping, 2014b) e A governança da China. Vol. 2 (Jinping, 2014a).

[21] Sewell (2004) propõe uma concepção de historicidade como processo não linear, em que significados sociais são constantemente reconfigurados por meio de práticas situadas, em contextos distintos e contingentes.

[22] Embora, nos períodos posteriores, a tensão entre indivíduo e coletivo tenha sido pensada em termos de indivíduo e Estado, nas décadas de 1920 e 1940 tal tensão aflorava também entre desejos pessoais e normas familiares ou sociais. Mesmo sem operar como categoria explícita de análise, essas relações expressavam um imaginário coletivo em torno da coesão nacional: “No que diz respeito ao cinema, a ‘nação’ constituída pelo ‘povo-nação’ (minzu) foi a principal preocupação entre as décadas de 1920 e 1940” (Y. Zhang, 1997, pp. 79, tradução nossa)

[23] Segundo Berry & Farquhar (2006): “Tanto o nacional quanto o Estado-nação territorial moderno faziam parte de um pacote ocidental chamado modernidade, assim como o cinema, que os seguiu de perto. (...) O Estado-nação era um elemento-chave a ser adotado, porque essa forma moderna de agência coletiva era fundamental tanto para a participação como Estado-nação na ordem ‘internacional’ estabelecida pelos imperialistas quanto para a mobilização da resistência”.

[24] O período assistiu ao surgimento e consolidação da indústria cinematográfica na China — com empresas, salas de cinema e o aumento da produção. A partir de 1923, com o filme Orphan Rescues Grandfather, essa produção passou a incluir funções sociais, culturais e políticas. (Y. Zhang, 2004, p. 26).

[25] O Tratado de Nanquim, firmado em 1842 com o fim da Primeira Guerra do Ópio, extinguiu o sistema comercial de Cantão e instaurou o que ficou conhecido como os “tratados desiguais”, que concedia à Grã-Bretanha acesso privilegiado a quatro portos chineses importantes (Xiamen, Fuzhou, Ningbo e Shanghai). Esse acontecimento consolidou a presença britânica na China por um século. Mais tarde, durante a Segunda Guerra do Ópio, os britânicos e franceses forçaram mais concessões (Wood, 2022, Capítulo: As Guerras do Ópio e Taiping).

[26] O Tratado encerrou a Primeira Guerra Sino-Japonesa com a derrota chinesa, resultando na cessão de Taiwan ao Japão. A perda territorial foi percebida como humilhação nacional e marcou a imagem da China como o “homem doente da Ásia”. Taiwan permaneceu sob domínio japonês até 1945 (Rowe, 2009, p. 230). “Agora as potências coloniais se reuniam como abutres: russos, japoneses e alemães no Norte; franceses e britânicos no Sul. Caricaturas zombeteiras em livros e periódicos ocidentais mostravam a China como um rico bolo à espera de ser cortado pela rainha Vitória, o tsar e o cáiser, com olhos gananciosos e lambendo os lábios” (Wood, 2022, Capítulo: A Grande Revolução Chinesa (1850-1950)).

[27] Ver História da China: o retrato de uma civilização e de seu povo (2022). Capítulo: A Grande Revolução Chinesa (1850-1950).

[28] O Movimento de 4 de Maio de 1919 teve início com protestos estudantis em Beijing, contra a decisão dos tratados de Versalhes de transferir o controle da região de Shandong do antigo domínio alemão ao Japão, em vez de devolvê-la à China. Inspirado por mobilizações anticoloniais globais, o movimento marcou uma virada nacionalista e cultural, articulando demandas por democracia, soberania e modernização, além de ser contra tradicionalismos que engessava a China em modelos antigos (Hucker, 1975, p. 429). No entanto, logo depois surgiram disputas entre os ativistas, dividindo os liberais do grupo que mais tarde se tornaria os marxistas (Mühlhahn, 2019, pp. 246, 247).

[29] O Partido Comunista da China (PCCh) — fundado em julho de 1921 com sua primeira reunião em Shanghai onde Mao Zedong, um dos delegados fundadores, havia sido inspirado pelo Movimento Quatro de Maio —, foi uma consequência a movimentos políticos internos e externos. A Revolução Russa de 1917 impactou o cenário global, oferecendo um modelo político para movimentos de libertação em vários contextos coloniais. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, ideias comunistas ganharam ainda mais força em várias regiões. Na Índia, conspiradores bolcheviques planejavam uma revolta contra o domínio britânico, enquanto na China o comunismo surgia como instrumento forte anticolonial e anti-imperialista (Wood, 2022, Capítulo: A Era Da Reforma: Da República A Mao).

[30] Em 1927 o KMT começou a reprimir severamente os comunistas, chegando a matar milhares, inclusive familiares de Mao Tsé-tung. Mao então se refugiou com os sobreviventes e chegou a fundar, em 1931, com apoio soviético, a “República Soviética Chinesa”, na fronteira entre Jiangxi e Fujian, com características autônomas, com um exército que chegou a 140 mil membros, um sistema fiscal e emissão de moeda (Wood, 2022, Capítulo: A Era Da Reforma: Da República A Mao).

[31] Em 1931, o Incidente de Mukden justificou uma ocupação japonesa da Manchúria seguida pela criação de um estado “fantoche” de Manchukuo. Como recurso para legitimar ao novo regime, os japoneses colocaram como governante o último imperador Qing, Puyi, na tentativa de explorar certo prestígio imperial. A invasão acirrou o patriotismo e consolidou a presença militar japonesa na região (Mühlhahn, 2019, p. 300).

[32] Um dos episódios mais brutais foi o Massacre de Nanquim (1937–1938), quando tropas japonesas assassinaram até 300 mil civis e prisioneiros chineses, utilizando o estupro sistematicamente como arma de guerra. “Analisando a experiência chinesa da Segunda Guerra Mundial como um todo, no entanto, é fácil esquecer que, para o povo chinês, a guerra começou em 1937 e efetivamente terminou em 1949, e que envolveu grande destruição e morte de talvez 14 milhões de pessoas. A resistência chinesa (como “a Quarta Aliada”) foi crucial para encerrar a guerra mais rapidamente do que poderia ser: 40% de todas as baixas japonesas ocorreram na China” (Mühlhahn, 2019, p. xi; Wood, 2022, Chapter A Era Da Reforma: Da República A Mao).

[33] “Quando os japoneses se renderam em 1945, a frente nacional se desfez e os nacionalistas e comunistas travaram uma dura guerra civil. Apoiados pelo Ocidente, especialmente os Estados Unidos, os nacionalistas tinham a mão de obra e o equipamento. Os comunistas estavam desarmados, mas, depois de doze anos em Yan’an, suas reformas agrárias ganharam apoio de massa em todo o campo.” (Wood, 2022, Capítulo: A Era Da Reforma: Da República A Mao). 

[34] “Após intensos combates, o apoio aos nacionalistas diminuiu, e eles fugiram para Taiwan. No outono de 1949, o Exército Vermelho chinês ocupou Pequim e a República Popular foi fundada.” (Wood, 2022, Chapter : A Era Da Reforma: Da República A Mao).

[35] Ambos dirigidos por Ren Pengnian, um dos principais cineastas do período, que explorava figuras patrióticas cujos atos exaltavam o bem coletivo sobre o interesse individual (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 10).

[36] Com a criação do Comitê Nacional de Censura de Filmes (NFCC), o KMT passou a supervisionar diretamente o conteúdo cinematográfico como parte de sua estratégia de centralização cultural (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 10).

[37] “Um dos atos de censura mais importantes da década de 1930 foi a proibição de filmes em qualquer língua falada que não fosse o mandarim, porque ‘aos olhos do governo central, o dialeto local era um fator de apoio ao separatismo regional’. De acordo com Stephen Teo, isso levou os cineastas baseados em Cantão a se mudarem para Hong Kong e fazer da cidade a base para a produção de filmes em língua cantonesa a partir de então. Como Hong Kong não era uma entidade política nacional, a língua usada nos filmes não era um problema para seus governantes britânicos, e os ciclos de filmes em mandarim e cantonês produzidos lá eram em grande parte impulsionados pelo mercado” (Pickowicz, 2012, pp. 192, tradução nossa).

[38] O filme contrasta a vida do proletariado e dos capitalistas (Y. Zhang, 2004, p. 70).

[39] Filme considerado de esquerda porque nas tensões sociais e nas disparidades econômicas entre camponeses e proprietários de terras (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 359).

[40] Filme de esquerda que promove ideais patrióticos e socialistas, aborda a crise nacional e aborda a ideia da luta de classes, chamando atenção para a solidariedade entre o povo (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 94).

[41] Um filme da Lianhua, produtora associada a cineastas de esquerda. A obra explora a ligação entre a carreira de uma mulher, o proletariado urbano e o nacionalismo (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 12).

[42] Filme que foca na corrupção moral de um jovem e contrasta sua ascensão social com o sofrimento e os sacrifícios de sua esposa e mãe. A obra é extremamente crítica das condições sociais sob o regime do Kuomintang e estabeleceu um recorde de bilheteria em Xangai, se tornando uma das produções mais influentes do pós-guerra (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 315).

[43] Dirigido por Wu Yonggang (cujo trabalho chegou a ser concebido para imunizar a juventude chinesa contra o liberalismo), o filme é um melodrama que aborda a prostituição, considerado um exemplo clássico de filme de esquerda. (Pickowicz, 2012, p. 60; Y. Zhang, 1997, p. 87). 

[44] Um melodrama que expõe a agressão japonesa e a exploração de classe através das histórias de irmãs deslocadas. A obra explora a arquitetura de Shanghai mostrando as divisões de classe, relacionando a experiência individual ao cenário social (Berry & Farquhar, 2006, p. 83).

[45] Filmes de guerra aclamados pela crítica, produzidos depois que os japoneses tomaram Hong Kong e Chongqing (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 18).

[46] Um dos filmes patrióticos que representavam uma grande porcentagem das produções de Hong Kong na época (Y. Zhang, 2004, p. 91).

[47] Filme produzido no ano da Revolução Popular que aborda claramente a experiência da guerra de resistência contra o Japão. É descrito como uma obra que glorifica o nacionalismo chinês com base em um evento da guerra Sino-Japonesa. O filme também retrata a participação direta de mulheres no combate e seus sacrifícios heroicos (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 137).

[48] Desde a invasão japonesa na Manchúria em setembro de 1931, filmes que dialogavam com a ideia de uma coletividade ameaçada, começaram a surgir. A partir de 1932, surgiram Two Orphan Girls from the Northeast (1932), que conta a história de duas meninas forçadas a fugir de sua terra natal invadida no nordeste da China, que no final, embora tenham se apaixonado pelo mesmo homem, todos se dedicam a cuidar dos feridos; e Struggle (1933), história centrada em um jovem camponês cuja esposa foi estuprada e morta por um senhorio perverso. Mais tarde o jovem se junta ao exército e mesmo tendo a chance de se vingar do senhorio perverso, decide guardar suas balas para os japoneses. (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 13).

[49]  O filme Eternal Fame produzindo em Shanghai em 1943, embora tenha sido patrocinado pelos japoneses, a obra focou na Primeira Guerra do Ópio e apresentou uma representação racista dos ingleses. Os japoneses tinham uma retórica pan-asiática de resistência ao imperialismo ocidental, o que fez do filme um registro de oposição direta aos britânicos (Berry & Farquhar, 2006, p. 23).

[50] Os filmes do pós-guerra associavam personagens com caráter negativo ao comportamento dos ocidentais burgueses e a uma espécie de “imperialismo cultural ocidental”. Uma maneira de resistir tanto ao imperialismo japonês quanto à cultura burguesa ocidental. Os esforços para resistir ao domínio de Hollywood no mercado de filmes, surgiu com a oposição de cineastas nacionalistas ao projeto de Hollywood de construir uma “Hollywood do Leste” em Shanghai (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 70).

[51] O filme aborda a ideia de valores familiares tradicionais associados ao campo, em contraste com a corrupção que estaria presente na vida urbana. O campo comumente era compreendido como um local de tradição, idílico e violado pela tecnologia moderna. Também era compreendido como o berço da revolução, porque predominava as paixões primitivas. A obra teria sido associada a visão do KMT de tradição nacional e ética confuciana para a construção da nação (Y. Zhang & Xiao, 2002, pp. 293, 248).

[52] Obra que aborda as dificuldades urbanas pós-guerra, como desemprego e falta de moradia, focando na solidariedade e o esforço coletivo (enraizados na esfera familiar) em resposta às adversidades urbanas (Y. Zhang & Xiao, 2002, pp. 158, 308).

[53] O melodrama era o modo dominante enquanto o realismo foi adotado de modo hegemônico e “oficial” como expressão da modernidade. A produção de filmes em série também era uma característica da indústria (Berry & Farquhar, 2006, p. 11; Pickowicz, 2012, p. 79; Y. Zhang, 2004, p. 14).

[54] “[...] o uso combinado de órfãos reais e uma câmera escondida cria efeitos artísticos que guardam grande semelhança com os do neorrealismo italiano do pós-guerra” (Y. Zhang, 2004, pp. 105, tradução nossa).

[55] “[...] O indizível em todos esses filmes é a divisão familiar, representada como a perda patriarcal das gerações futuras em Tomboy, como perda da pátria, perda da família e, de fato, perda da vida em Street Angel e, finalmente, como a perda de uma era em Spring in a Small Town(Berry & Farquhar, 2006, p. 90).

[56] Man’ei estabeleceu relações comerciais controladas pelo Japão e até estúdios de cinema japoneses (como Toho e Shochiku). Administraram escolas de cinema de 1937 a 1944 (Y. Zhang, 2004, p. 84). Zhonglian fez parte do controle japonês sobre a indústria cinematográfica chinesa, lançado em 1942 (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 19).

[57] No pós-guerra, destacaram-se estúdios com orientações ideológicas distintas. A Kunlun, fundada em 1946, reunia ex-cineastas de esquerda e articulava projetos engajados politicamente (Y. Zhang, 2004, p. 100). A Wenhua, por sua vez, atuava como um estúdio privado de perfil humanista, com foco mais introspectivo e estético (Pickowicz, 2012, p. 193).

[58] A história se passa no inverno de 1948, mostrando a vida dentro de um edifício em Shanghai. A narrativa reflete em menor escala, o que aconteceu durante os últimos dias da guerra civil (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 132).

[59] O filme apresenta uma história de amor triangular e considerado tendo “maturidade conceitual e técnica”. Os críticos consideraram um dos melhores filmes de arte produzidos antes de 1949, equivalente a Cidadão Kane (dir. Orson Welles, 1941) (Y. Zhang & Xiao, 2002, p. 162).

[60] “Nas décadas de 1910 e 1920, o que cada vez mais preocupava os cineastas chineses era a reação da nova geração ao antigo conceito confucionista de uma estrutura familiar hierárquica, que define rigidamente os papéis sociais e familiares de marido e mulher, mas deixa pouco espaço para a consideração mútua” (Y. Zhang & Xiao, 2002, pp. 230, tradução nossa).

[61] Alguns historiadores distinguem duas “idades de ouro” no cinema chinês: a década de 1930 (pré-guerra) e a de 1940 (pós-guerra)” (Y. Zhang, 2004, p. 58).

[62] Spring in a Small Town (1948) destaca-se por sua representação realista da família como microcosmo da sociedade em transformação, enfatizando a intervenção política e questões sociais no pós-guerra (Y. Zhang, 2004, p. 101).

[63] “A articulação do nacional no cinema chinês das primeiras décadas se dava em múltiplos níveis, do inconsciente, passando pelo simbólico, até o alegórico. [...] a preocupação com o nacional era evidente na nomeação de estúdios cinematográficos. O espírito iluminista e o discurso nacionalista predominantes no final da Dinastia Qing e no período Quatro de Maio deixaram uma marca visível em nomes como “Xinmin” e “Minxin”, ambos apontando para um ‘novo povo’ da China” (Y. Zhang, 2004, pp. 57, tradução nossa).

[64] A expressão “sentido ocidental” refere-se à concepção moderna de nação consolidada na Europa a partir do século XVIII, marcada por uma gramática individualista, homogeneizante e centrada na equivalência entre Estado e soberania nacional (Anderson, 2013). No contexto chinês, a adoção de certas estruturas do Estado-nação não implicou necessariamente a reprodução integral dessa matriz. Ainda que inspirada em modelos institucionais europeus, a construção da nação chinesa no pós-1949 articulou outros sentidos de pertencimento, fortemente moldados por dinâmicas históricas e valores relacionais anteriores. Trata-se, portanto, de um campo de disputas cujos desdobramentos merecem análise mais detida.

[65] “A agência social pode ser exercida em relação às “coisas”, assim como pelas “coisas” (e também animais) (Gell, 2018, p. 47).

[66] Jabbour (2019, p. 91) analisa a dinâmica e o papel do Estado nesse período. É interessante observar como certas características já presentes no início do século XX — especialmente no que diz respeito à articulação entre teorias ocidentais e sentidos sociais previamente compartilhados, sobretudo relacionados a uma ideia de coletivo projetada no Estado — se mantiveram ao longo do tempo: “[...] e o ator chave dessa estratégia de desenvolvimento, nesse caso, é o próprio Estado. A combinação entre concentração de mercados e descentralização do plano (MEDEIROS, 1999, p. 109) tem inúmeras facetas, sintetizadas numa combinação única entre mercado e planejamento que caracteriza a via chinesa de desenvolvimento até os dias atuais, conformando novas e profundas formas de divisão social do trabalho.”


Referências

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