O ano de 2025 é simbólico, pois a China celebra 120 anos de cinema. O mês de julho virou pauta na imprensa asiática depois que o presidente Xi Jinping, em carta aberta a cineastas, reforçou a importância de criar obras que expressem o “espírito da época”, uma espécie de convite para que o cinema chinês siga impulsionando às transformações culturais e políticas do país.
Falar das gerações do cinema chinês é, mais do que uma linha do tempo, um mergulho na relação entre política, arte e coletividade. Os primeiros filmes, lá de 1905, ainda tímidos e fortemente influenciados por estilos ocidentais (embora também relacionado fortemente ao tradicional teatro das sombras), traziam um olhar que misturava modernidade importada e cotidiano local. Até o início dos anos 1930, muito desse cinema ainda estava relativamente fora de uma lógica política engajada, mas, curiosamente, os dilemas em torno do coletivo já apareciam nas telas, às vezes de modo indireto, outras vezes como pano de fundo para discussões sobre papeis de gênero, tradição e mudança.
O conteúdo era uma representação cantada da Batalha do Monte Dingjun.
Com a chegada dos anos 1930, o cinema chinês passa a ser atravessado pelas divisões políticas internas. É nesse período que se convencionou falar em “cinema de direita” e “cinema de esquerda”. Não se trata, aqui, de importar as categorias como as usamos hoje, mas de entender que essas divisões traduziam os embates e projetos de país daquele momento histórico. O interessante é notar que, mesmo em lados opostos, o tema da coletividade nunca deixava de ser central. Não havia aquela obsessão pelo indivíduo heroico típico de Hollywood; o foco estava sempre no grupo, na família, na ideia de nação em disputa.
Essa dinâmica de absorver influências externas também tinha bastidores. Já no início do século XX, o cinema ocidental era visto como ferramenta estratégica para os interesses das potências que atuavam na China, entre elas, EUA e Japão. Antes mesmos da revolução socialista de 1949, segundo pesquisas, de figuras institucionais dos EUA realizando pesquisas para entender a aceitação do cinema ocidental e encontrar maneiras de consolidar o “american way of life” nas telas chinesas. O cinema era parte da engrenagem geopolítica e, ao mesmo tempo, um espaço de resistência e reinvenção.
Após 1949, com a fundação da República Popular da China, o cinema passou por novas inflexões, ora como instrumento oficial de construção do coletivo socialista, ora como campo de disputa simbólica. Da chamada “quinta geração” nos anos 1980, com filmes como Yellow Earth, que revolucionaram a linguagem ao unir paisagem, silêncio e crítica social, até a explosão recente de animações e superproduções épicas como, a coletividade que está imersa em elementos profundos da sociedade chinesa, segue atravessando narrativas, estéticas e projetos com estética contemporânea.
Falar das gerações do cinema chinês, é reconhecer que a coletividade nunca deixou de ser questão central, mudando de cor, de tom, de linguagem, mas sempre presente, seja nos grandes épicos, nos dramas urbanos ou nas animações de bilheteria recorde. Depois da chamada “quinta geração”, vieram novos movimentos: cineastas da sexta geração, como Jia Zhangke, exploraram o cotidiano urbano, o deslocamento social e as transformações do país, muitas vezes com narrativas mais intimistas, porém sem perder o pano de fundo coletivo. O indivíduo aparece, mas sempre em diálogo com os efeitos das mudanças sociais mais amplas.
Nos anos 2000 e 2010, o cinema chinês também se abriu a gêneros populares, superproduções históricas, blockbusters e animações como Ne Zha (2019) e Ne Zha 2 (2025), que trouxeram temas tradicionais para o centro do consumo de massa e reafirmaram o potencial da cultura local de dialogar com o mundo.
O sucesso recente de filmes épicos, de guerra ou animações digitais não é apenas resultado de uma indústria poderosa, mas também de uma busca constante de conexão com a identidade coletiva, seja celebrando figuras históricas, recontando mitos ancestrais ou abordando desafios contemporâneos.
O convite de Xi Jinping neste aniversário de 120 anos é, no fundo, uma atualização desse mesmo debate. Como transformar o cinema em expressão viva do que pulsa no coletivo chinês? E como as diferentes gerações de cineastas vêm lidando com essa tarefa, seja revisitando o passado, como exploro na minha pesquisa sobre o cinema até 1949, ou projetando novas possibilidades para o futuro?
Qual geração do cinema chinês mais te provoca ou emociona? E o que isso diz sobre o que buscamos, como sociedade, em tela?
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